Pérolas de sabedoria de Santo Antonio Maria de Claret

Pérolas de sabedoria de Santo Antonio Maria de Claret

No 24 de Outubro festejamos o dia de Santo Antônio Maria Claret. Queria deixar algumas reflexões de sabedoria dele para quem visita esta página.

Santo Antonio Maria Claret

Santo Antonio Maria Claret

De que vale o homem ganhar o mundo, se vem a perder a alma? Esta sentença me causou uma profunda impressão… foi para mim uma flecha que me feriu o coração…”

“Digo a mim mesmo: Um filho do Imaculado Coração de Maria é um homem que arde em caridade e abrasa por onde passa; que deseja eficazmente e procura por todos os meios inflamar o mundo no fogo do divino amor. Nada o detém. Alegra-se nas privações. Enfrenta os trabalhos. Abraça os sacrifícios. Compraz-se nas calúnias e se alegra nos tormentos. Seu único pensamento é seguir e imitar a Jesus Cristo, no trabalho, no sofrimento, procurando sempre e unicamente a maior glória de Deus e a salvação das almas”.

“O que sim lhe digo é que na América há um campo muito grande e muito fecundo e que com o tempo sairão mais almas para o céu da América que da Europa. Esta parte do mundo é como uma vinha velha, que não dá muito fruto e a América é vinha jovem”.

A experiência me ensinou que um dos meios mais poderosos para a propagação do bem é a imprensa, ao mesmo tempo que é a arma mais poderosa para se propagar o mal, quando dela se abusa. Por meio da imprensa pode-se produzir muitos livros bons e folhetos para o louvor de Deus. Nem todos querem ou podem ouvir a divina palavra, mas todos podem ler ou ouvir a leitura de um bom livro. Nem todos podem ir à igreja ouvir a palavra divina, porém o livro irá à sua casa. Nem sempre o pregador pode estar pregando, porém o livro sempre estará repetindo a mensagem, sem nunca se cansar, sempre disposto a repetir a mesma coisa, quer seja lido pouco ou muito, lido ou deixado uma ou mil vezes, não se ofende por isso, permanece o mesmo, sempre se acomoda à vontade do leitor.”

Para ler mais sobre Santo Antonio Maria Claret
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São Gaspar de Búfalo anjo da paz, pequeno apóstolo de Roma e martelo dos Carbonários

São Gaspar de Búfalo anjo da paz, pequeno apóstolo de Roma e martelo dos Carbonários

Celebramos no dia 21 de Outubro a festa deste santo cuja atenção me foi referida pela excelente página de Verdades Esquecidas 

São Gaspar de Búfalo

São Gaspar de Búfalo – Missioneiro e Fundador da Congregação dos Missionários do Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo

Missioneiro em Roma e Italia, Fundador da Congregatio Missionariorum Pretiosissimi Sanguinis Domini Nostri Jesu Christi, Congregação dos Missionários do Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Belíssimo nome apesar do comprimento, para uma congregação religiosa.

A devoção ao Preciosíssimo Sangue de Jesus Cristo remonta aos primórdios da Igreja, em reverência ao sangue de Jesus Cristo derramado na cruz e também em alusão ao sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo na Eucaristia.

No século XIX, São Gaspar de Búfalo foi o grande propagador desta devoção, cujo reconhecimento pela Sé Apostólica permitiu a composição da missa e ofício próprios por ordem do Papa Bento XIV. Posteriormente, por decreto do Papa Pio IX, a devoção foi estendida à toda Igreja.

Era conhecido como o martelo dos carbonários (a franco-maçonaria italiana), porque combateu com rigor as investidas dos inimigos da Igreja, obtendo muitas conversões de afiliados da sociedade secreta, a maçonaria.

S. Gaspar foi “o verdadeiro e maior apóstolo da devoção ao Preciosíssimo Sangue em todo o mundo”, seu lema era: “falar pouco, falar bem, falar na hora certa.

Ele disse um dia: “Por Nosso Senhor Jesus Cristo temos de fazer muito, depressa e bem.” Ao pregar missões populares sempre era acompanhado de um grande crucifixo.

Depois de garimpar informações na internet a respeito dele, encontrei uma profecia relacionada com tempos futuros e castigos que estão para vir. Como São Gaspar outros santos, beatos, bem-aventurados e místicos também falaram dos três dias de trevas

Profecia de sobre os três días de trevas

A morte dos impenitentes perseguidores da Igreja ocorrerá durante os três dias de trevas,  mas aqueles que veneram o Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, serão poupados desta catástrofe.

Quem sobreviver aos três dias de trevas e pranto, ver-se-a como único sobrevivente na Terra, pois em verdade, o mundo estará coberto de cadáveres. O mundo não tem visto nada semelhante desde os dias do dilúvio.”

São Gaspar de Búfalo foi beatificado por São Pio X em 1904, e canonizado pelo Papa Pio XII em 12 de junho de 1954. Seu dia de festa, como indicado no Martirológio Romano, é no dia da sua morte, 28 de dezembro, mas não foi incluída no Calendário Romano. Atualmente a festa de São Gaspar de Búfalo é comemorada no 21 de outubro.

A Rainha do Preciosíssimo Sangue, imagem que São Gaspar levava às missões

A Rainha do Preciosíssimo Sangue, imagem que São Gaspar levava às missões

A seguir a consagração ao Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo composta por São Gaspar de Búfalo

Consagraçao ao Preciosíssimo Sangue de Jesus Cristo

Senhor Jesus, que nos amais e nos libertastes dos nossos pecados com Vosso Sangue, eu Vos adoro, Vos bendigo e a me consagro a Vós com viva Fé.

Com a ajuda de Vosso Espírito, prometo entregar toda a minha existência, animada pela memória de Vosso Sangue, como um serviço fiel à vontade de Deus pelo advento de Vosso Reino.

Pelo Vosso Sangue derramado pela remissão dos pecados, purificai-me de toda culpa e renovai-me no coração, para que resplandeça sempre mais em mim a imagem do homem novo criado segundo a justiça e a santidade.

Pelo Vosso Sangue, sinal de reconciliação entre Deus e os homens, transformai-me em um instrumento dócil de caridade fraterna.

Pelo poder de Vosso Sangue, prova suprema de vossa caridade, dai-me a coragem de amar a Vós e aos irmãos até a doação de minha vida.

Ó Jesus Redentor, ajudai-me a levar cotidianamente a Cruz, para que a minha gota de sangue, unida ao Vosso, colabore na Redenção do Mundo.

Ó Sangue divino, que vivificais com a Vossa graça o Corpo Místico, transformai-me em pedra viva da Igreja.

Dai-me a paixão pela união entre os Cristãos.

Infundi em meu coração um grande zelo pela salvação de meu próximo.

Suscitai numerosas vocações missionárias na Igreja, para que a todos os povos seja dado conhecer, amar e servir o Deus Verdadeiro.

Ó Sangue Preciosíssimo, sinal de Redenção e vida nova, concedei-me a perseverança na Fé, na esperança e na caridade, para que, por vós escolhido, possa sair deste exílio e entrar na terra prometida do Paraíso, para cantar por toda a eternidade o meu louvor com todos os redimidos. Amém.

Para ler uma história mais completa de São Gaspar de Búfalo

Comentários sobre a fisionomia de Santa Maria Eufrásia Pelletier

Velhice: Decrepitude ou Apogeu?

Em número anterior (veja aqui), fizemos o confronto entre as fotografias de Churchill moço e velho, para mostrar como se engana o mundo moderno quando só vê no envelhecimento uma decadência.

Quando se prezam mais os valores do espírito, envelhecer é crescer

Quando se sabe prezar mais os valores do espírito do que os do corpo, envelhecer é crescer no que o homem tem de mais nobre, que é a alma, se bem que signifique a decadência do corpo, que é apenas o elemento material da pessoa humana.

E que decadência! Bem pode ser que o corpo perca sua beleza e seu vigor. Mas ele se enriquece com a transparência de uma alma que ao longo da vida soube desenvolver-se e crescer. Transparência esta que constitui a mais alta beleza de que a fisionomia humana seja capaz.

Rosa Virginia Pelletier (Santa Maria Eufrasia Pelletier)
Santa Maria Eufrásia Pelletier, nascida na Vandéa, França, em 1796, fundadora de uma Congregação docente feminina, faleceu em 1868. Sua festa se celebra no dia 24 de abril.

Nada do que significa formosura lhe faltou na mocidade: a correção dos traços, a beleza dos olhos e da cútis, a distinção da fisionomia, a nobreza do porte, o viço e a graça da juventude. Mais: o esplendor de uma alma clara, lógica, vigorosa, pura, se exprimia fortemente em sua face. É o tipo magnífico da donzela cristã.

Santa Maria Eufrasia Pelletier
Ei-la em sua ancianidade. Do encanto dos antigos dias resta apenas um vago perfume. Mas outra formosura mais alta brilha neste semblante admirável.

O olhar ganhou em profundeza; uma serenidade nobre e imperturbável parece prenunciar nele algo da nobreza transcendente e definitiva dos bem-aventurados na glória celeste!

O rosto conserva o vestígio das batalhas árduas da vida interior e apostólica dos Santos. Atingiu algo de forte, de completo, de imutável: é a maturidade no mais belo sentido da palavra.

A boca é um traço retilíneo, fino, expressivo, que traz a nota típica de uma têmpera de ferro. Uma grande paz, uma bondade sem romantismo nem ilusão, com algum resto da antiga beleza, esplende ainda nesta fisionomia.

O corpo decaiu, mas a alma cresceu tanto, que já está toda em Deus

O corpo decaiu, mas a alma cresceu tanto, que já está toda em Deus, e faz pensar na palavra de Santo Agostinho: nosso coração, Senhor, foi criado para Vós, e só está em paz quando repousa em Vós.

Quem ousaria afirmar que para Santa Maria Eufrásia, envelhecer foi mesmo decair?

Aspirações de Santa Maria Eufrásia

Ó meu Deus, fazei que cada batida de meu coração seja uma súplica para alcançar graça e perdão para os pecadores.
Que cada uma de minhas respirações seja um apelo à Tua infinita misericórdia,
que cada olhar meu, atraia para Vós as pessoas que eu fitar e lhes revele o Teu amor.
Que o alimento de minha vida seja trabalhar sem descanso pela Tua glória e pela salvação das almas. Amém.

Fontes:
Plinio Corrêa de Oliveira em Catolicismo, novembro 1952
http://www.buonpastoreint.org
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São Leão Magno

São Leão MagnoSão Leão Magno
Permaneceu célebre um episódio da vida de São Leão Magno. Ele remonta a 452, quando o Papa em Mântua, juntamente com uma delegação romana, encontrou Átila, chefe dos Hunos, e o dissuadiu de prosseguir a guerra de invasão com a qual já tinha devastado as regiões nor-orientais da Itália. E assim salvou o resto da Península. Este importante acontecimento tornou-se depressa memorável, e permanece como um sinal emblemático da acção de paz desempenhada pelo Pontífice.
São Leão Magno detem o avanco de Atila e salva Roma
A seguir dizeres muito apropriados de São Leão Magno para nossos dias.

Recomeçar sempre!

Não desista nunca,
Nem quando o cansaço se fizer sentir,
Nem quando os teus pés tropeçarem,
Nem quando os teus olhos arderem,
Nem quando os teus esforços forem ignorados,
Nem quando a desilusão te abater,
Nem quando o erro te desencorajar,
Nem quando a traição te ferir,
Nem quando o sucesso te abandonar,
Nem quando a ingratidão te desconsertar,
Nem quando a incompreensão te rodear,
Nem quando a fadiga te prostrar,
Nem quando tudo tenha o aspecto do nada,
Nem quando o peso do pecado te esmagar…

Invoque Deus, cerre os punhos, sorria… E recomece!

Ricomincia Sempre (em italiano)

Non ti arrendere mai,
neanche quando la fatica si fa sentire,
neanche quando il tuo piede inciampa,
neanche quando i tuoi occhi bruciano,
neanche quando i tuoi sforzi sono ignorati,
neanche quando la delusione ti avvilisce,
neanche quando l’errore ti scoraggia,
neanche quando il tradimento ti ferisce,
neanche quando il successo ti abbandona,
neanche quando l’ingratitudine ti sgomenta,
neanche quando l’incomprensione ti circonda,
neanche quando la noia ti atterra,
neanche quando tutto ha l’aria del niente,
neanche quando il peso del peccato ti schiaccia…

Invoca il tuo Dio, stringi i pugni, sorridi… e ricomincia!

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Beato Estevão Bellesini, modelo de pároco santo

Corpo incorrupto do beato Estevao Bellessini

Beato Estevão Bellesini, modelo de pároco santo

Beatificado por São Pio X oito dias antes do Santo Cura d’Ars, foi o primeiro pároco na História da Igreja a ser elevado à honra dos altares.

Filho de José Bellesini, notário em Trento descendente de antiga família espanhola, e de Maria Orsola Meichlpeck, de ilustre casa belga, esse bem-aventurado nasceu na cidade de Trento, ao norte da Itália (então território austríaco), no dia 25 de novembro de 1774. Recebeu no batismo o nome de Luís.

Alegre, saudável, aplicado, piedoso, Luís passou a infância e parte da adolescência junto aos pais, estudando em escolas locais.

Dele só temos notícia quando, aos 17 anos, conseguiu convencer o pai a deixá-lo entrar no noviciado agostiniano do convento de São Marcos, no qual seu tio materno era superior. Mudou então seu nome para Estevão. De Trento foi para o noviciado em Bolonha. Um ano depois fez sua profissão solene.

Catequese e pregação em Trento
Beato Estevao Bellesini segurando um quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano
Depois de breve estada em Roma, Estevão retornou a Bolonha, onde estudou filosofia e teologia. Ali recebeu o subdiaconato.

Porém, a tormenta revolucionária que sacudia a França penetrou nos Estados Pontifícios com as tropas de Napoleão. No final de 1796 foi proclamada a república em Bolonha. Os frades foram expulsos, e seus bens confiscados. Estevão Bellesini voltou para seu convento em Trento, onde ainda reinava a tranqüilidade.

Foi encarregado então da sacristia e da pregação, o que fazia com unção e zelo, sendo seus sermões muito apreciados e concorridos.

Grave enfermidade o pregou ao leito na época de sua ordenação; e como ele desejava ardentemente recebê-la, estando ainda muito débil, na data marcada fez-se levar em maca até a igreja para a cerimônia, que teve lugar no dia 5 de novembro de 1797.

Como sacerdote, continuou suas pregações ainda com mais fruto, confluindo público de toda a redondeza para acompanhar seu catecismo e seus sermões.

A Revolução, entretanto, chegou a Trento com a vitória das armas de Napoleão, e os conventos foram ali fechados. Para poder prosseguir sua pregação, o Padre Estevão precisaria prestar um juramento ímpio, semelhante ao da Constituição Civil do Clero, na França.

Obviamente, recusou-se de modo peremptório a fazer tal juramento.

Zelo para salvar a juventude da corrupção
detalhe do corpo incorrupto do beato Stefano Bellessini
Não podendo mais dedicar-se à pregação, voltou-se então para a juventude. Obrigado a retornar à casa paterna, que era muito espaçosa, pensou logo em transformá-la em escola gratuita para jovens que tinham ficado à margem dos estudos, de todas as classes sociais, principalmente as mais pobres.

Declara seu irmão Ângelo, no processo de beatificação: “Tendo o servo de Deus, nesses tempos calamitosos, observado que os políticos tinham-se dedicado a corromper e subverter a juventude, e que para isso tinham introduzido nas escolas públicas professores e mestres suspeitos de pertencer à seita maçônica, os quais insinuavam aos escolares suas máximas contra a Religião, ele, para impedir do melhor modo que podia esta destruição, empregou toda a sua atividade, indústria e caridade, recolhendo quantas crianças pôde, de ambos os sexos, especialmente da classe pobre”. (1)

Inicia assim sua Scola per gente (Escola para as gentes, como a passaram a chamar os meninos), onde os alunos pobres recebiam tudo, desde livros até o pão. As classes eram separadas para meninos e meninas.

O fim que o Beato se havia proposto, ao abrir tal escola, era o de educar cristãmente e no santo temor de Deus a juventude. Por isso, além de aprender a ler e a escrever, os alunos recebiam também aulas de catecismo.

Em pouco tempo, passaram a freqüentar sua escola quatrocentas a quinhentas crianças.

Estevão Bellesini não era um santo triste. Seus contemporâneos o descrevem como “jovial e alegre”, “risonho e aprazível”, “sempre longe das duas extremidades – severidade e condescendência”. Ele não tinha em vista senão a maior glória de Deus e o bem material e espiritual das crianças.

Num tempo de convulsão, com a casa sempre cheia também de soldados a quem devia alimentar, o Beato tinha que desdobrar-se e sobretudo confiar muito na Providência Divina, a fim de conseguir os meios necessários para manter sua casa.

Após a perseguição, reconhecimento de suas virtudes

Igreja de Nossa Senhora de Genazzano aonde o beato Estevao Bellessini foi pároco
As escolas dos concorrentes andavam vazias. O que fez com que se iniciasse uma campanha de difamação contra o Padre Estevão.

Caluniavam-no, injuriavam-no quando passava pelas ruas, chegando a atirar-lhe pedras. Denunciaram-no por fim ao governo, mas este, que conhecia bem o Pe. Bellesini, aprovou e louvou seu trabalho. Aos poucos as outras escolas tiveram que fechar, permanecendo como única escola comunal em Trento a do Beato.

Em 1812 o governo nomeou-o diretor geral de todas as Escolas do Trentino, compreendendo inclusive as Escolas Normais.

O Pe. Estevão estabeleceu que em cada classe de sua escola houvesse dois livros: um Livro de Ouro e outro Livro Negro.

No primeiro, deveriam ser inscritos os nomes dos alunos mais capazes e mais hábeis, mas – detalhe singular – também o daqueles que, apesar de fracos no estudo, “pela sua diligência e fadiga, fizeram tudo o que podiam”, pois tanto uns quanto outros demonstraram exemplaridade de conduta. E por isso mereciam ser honrados.

No Livro Negro, deveriam ser registrados os que tivessem má conduta, sobretudo os que proferissem palavras indecentes ou que roubassem algo do vizinho. Estes, se reincidissem na falta, seriam expulsos.

Apelo da vocação de religioso e exímia aceitação


altar da Mae do Bom Conselho de Genazzano
Quase tudo corria a contento para o Beato Bellesini. Mas nem tudo. Entrara ele para a Ordem dos agostinianos visando, sobretudo, tornar-se um religioso. E isso não era possível em Trento, onde o convento de São Marcos permanecia fechado. Soube ele, entretanto, que Pio VII voltara a Roma, e que a maioria dos religiosos também haviam retornado a seus conventos na Cidade Eterna.

Ele decidiu dirigir-se para lá, a fim de viver sua vocação de filho de Santo Agostinho. Para evitar que o retivessem, fez tudo em segredo. Quando chegaram as férias de 1817, ele partiu sem dizer a ninguém para onde viajaria.

Ao tomar conhecimento da “fuga” do Beato, o governo austríaco, para tê-lo de volta, fez-lhe várias promessas de cargos honoríficos e altos salários. Mas o coração de Estevão já estava noutro lugar.

Em Roma, no convento Santo Agostinho — o principal da Ordem — foi ele designado Mestre de Noviços, cargo que exerceu depois também em Città della Pieve, na Umbria e mais tarde em Genazzano.

Um de seus noviços declarou: “Era amável com todos; a sua mansidão, sua afabilidade e jovialidade, unida à graça no dizer, o tornavam caro e querido de quantos dele se aproximavam”.

E assim o descrevem na época: “É de alta estatura, grave no comportamento, olhos negros, bela face, simpático de fisionomia, com uma palidez que deixava conhecer quão débil era o invólucro corpóreo no qual, no entanto, habitava tão grande espírito”.

Junto à Mãe do Bom Conselho de Genazzano
imagem miraculosa de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano
Finalmente, tendo sido restabelecida a vida comum no convento de Genazzano, Estevão Bellesini nele foi admitido, sendo designado Mestre de Noviços. Acumulou ao mesmo tempo, por gosto, a função de sacristão. Demonstrou aí um empenho amoroso pela beleza e decoro do santuário e do culto.

Em 1831, tendo 57 anos de idade, foi designado pároco. Como tal, “prega, ensina o catecismo, assiste os doentes, visita as famílias, pede ajuda aos amigos de Roma e de Trento para a população pobre, faminta, sobrecarregada pelas taxas e tributos”.(2) Tornou-se o sustentáculo da vida comum, o pai dos pobres, o consolador dos aflitos.

Era cena muito comum na cidade de Genazzano ver-se o Beato com um feixe de lenha às costas, dirigindo-se a algum tugúrio. Chegava a dar a própria vestimenta aos destituídos da fortuna, quando não tinha outra coisa à mão.

Bellesini tinha feito um compêndio do catecismo, fácil de ser memorizado, com todos os artigos da fé. Junto à ajuda material, dava assim também aos necessitados a espiritual.

Devotíssimo do Santíssimo Sacramento, era diante do tabernáculo que hauria a força necessária para seu apostolado. Sua outra terna devoção era para com a Mãe do Bom Conselho, a Quem ele recomendava todos seus paroquianos.

Desenlace do servo fiel à Santíssima Virgem

O Beato Bellesini foi vítima de sua caridade para com os empestados. Depois de uma visita a um deles, sentiu-se depauperado e febril. Mas continuou suas funções até uma semana antes de entregar a Deus seu espírito.

Quando, na tarde do dia 2 de fevereiro, sentiu chegar o último momento, pediu a vela benta e quis pôr-se de joelhos, para recitar as últimas orações: o terço, a coroinha da Madonna della Cintura e a Novena da Purificação.

A alguém que lhe disse ser melhor não se fatigar, respondeu: “Como?! Hoje devo apresentar-me para beijar os pés de Maria Santíssima sem ter rezado o terço, a coroinha, e feito a meditação apropriada?”

Ao canto do Magnificat, entrou em agonia, e pouco depois comparecia para oscular os pés de sua Augusta Senhora. Foi beatificado pelo grande Papa São Pio X, em 27 de dezembro de 1904.(3)

A sua festa celebra-se no dia 3 de fevereiro.
_________
Notas:
(1) Vico Stella, Una vita per gli altri – Beato Stefano Bellesini, pároco agostiniano, Santuário Madre del Buon Consiglio, Genazzano, Piccole Arti Grafiche, Roma, p. 10.
(2) D. Riccardi, Un Santo fra poveri e ragazzi – Vita del B. Stefano Bellesini, Ancora, Milano, 1970, apud Vico Stella, op. cit., p. 31.
(3) Pe. José Leite, S.J., Santos de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, 1993, vol. I, p. 171.

Santo Antônio Maria Claret “O Santo de todos”

Santo Antônio Maria Claret

Uma das maiores figuras católicas do século XIX; a história da Espanha, nessa época, não pode ser compreendida sem o estudo da vida do grande missionário.

Santo Antônio Maria Claret foi um dos grandes esteios da Santa Igreja no seu tempo.

Pio XII, quando o canonizou em 1950, chamou-o de “Santo de todos”. Isso porque, diz o Pontífice, “nele olham os artesões, os sacerdotes, os bispos e todo o povo cristão, já que se encontram nele exemplos preclaros com que se alentar e encorajar-se, cada qual segundo seu estado, nessa perfeição cristã da qual unicamente podem sair, nas perturbações presentes, os oportunos remédios e atrair tempos melhores”.(1)

Esse santo, de uma atividade espantosa, foi “apóstolo da palavra, pregando inumeráveis sermões; apóstolo da pena, publicando muitíssimos volumes; apóstolo da Imprensa, criando academias, livrarias e bibliotecas; apóstolo da ação social católica e dos exercícios espirituais.

Catequista, missionário, diretor espiritual, fundador de congragações, arcebispo, pedagogo, anjo tutelar da família real espanhola
Santo Antônio Maria Claret em 1857 em Madri
Foi catequista, missionário, formador do clero, diretor de almas, fundador de congregações, pedagogo e ‘anjo tutelar da família real’, em frase de Pio XI; mas, sobretudo, eminentemente santo”.(2)

Pregador popular, fundou a Congregação Missionária dos Filhos do Coração Imaculado de Maria. Foi Arcebispo de Santiago de Cuba, confessor e conselheiro da rainha Isabel II, da Espanha. No Concílio Vaticano I, destacou-se como intrépido defensor da infalibilidade pontifícia.

Como não é possível abarcar aqui toda a obra desse incansável batalhador, limitar-nos-emos a algumas rápidas pinceladas.

Antônio João Adjutor nasceu no dia 23 de dezembro de 1807 em Sallent, diocese de Vich, província de Barcelona, na Espanha, quinto dos 11 filhos de João Claret e Josefa Clará. Proprietários de uma pequena tecelagem, eram eles “honrados e tementes a Deus, muito devotos do Santíssimo Sacramento do Altar e de Maria Santíssima”, como diz o santo em sua autobiografia.(3)

No Crisma, “por devoção a Maria Santíssima, acrescentei o dulcíssimo nome de Maria, porque Maria Santíssima é minha Mãe, minha Madrinha, minha Mestra, minha Diretora e meu tudo depois de Jesus”.

Piedade e verdadeira vocação sacerdotal
Santo Antônio Maria Claret em 1860 em Madri
“Eis que se me apresenta Maria Santíssima, […] e me disse: ‘Antônio, esta coroa será tua se vences’”.

De uma piedade precoce, desde a idade de cinco anos já se preocupava com a eternidade e o destino do homem. Adulto, pondera: “Não sei compreender como os outros sacerdotes que crêem nestas mesmas verdades que eu — e todos devemos crer — não pregam nem exortam para preservar as pessoas de caírem nos infernos”.

Sua devoção à Santíssima Virgem surgiu quase que com o uso da razão: “nunca me cansava de estar na igreja diante de Maria do Rosário, e falava-lhe e rezava com tal confiança, que cria bem que a Santíssima Virgem me ouvia”.

Compreende-se que, assim, a vocação sacerdotal despertasse nele muito cedo: “Sendo ainda muito pequeno, quando estava ainda no Silabário, fui perguntado por um grande senhor, que veio visitar a escola, o que queria ser. Eu lhe respondi que queria ser sacerdote”.

Acentuado espírito missionário

Santo Antônio Maria Claret em 1869
Adolescente, começou a trabalhar na tecelagem do pai; como fez muitos progressos nessa arte, foi especializar-se em Barcelona, grande centro da indústria têxtil. Com muita aplicação no trabalho e um talento fora do comum, dominou tão bem a arte têxtil, que iria longe se se dedicasse exclusivamente a ela.

Mas o apelo de Deus se fez mais premente, e ele resolveu romper de uma vez com o mundo e retirar-se para uma cartuxa. Mas acabou optando por ser sacerdote secular.

Em 1829 Antônio ingressou no Seminário de Vich. Nesse tempo, como pegou uma forte gripe, mandaram-lhe guardar o leito. Num desses dias foi atacado por terrível tentação contra a pureza. Recorria a Nossa Senhora, ao Anjo da Guarda, aos seus santos padroeiros, mas tudo em vão.

Finalmente, “eis que se me apresenta Maria Santíssima, formosíssima e graciosíssima, […] e me disse: ‘Antônio, esta coroa será tua se vences’.[…] E a Santíssima Virgem me punha na cabeça uma coroa de rosas que tinha no braço direito”. Essa não foi a única graça mística que recebeu. Em sua vida, há várias manifestações palpáveis do sobrenatural.

No dia 13 de junho de 1835, festa de seu patrono, Antônio recebeu a ordenação sacerdotal, e foi nomeado coadjutor em sua cidade natal.

Compreendeu então que sua vocação era a de ser missionário, e quis evangelizar os povos da Catalunha, órfãos desde a supressão das Ordens religiosas. Como isso não era factível por causa da guerra civil, foi a Roma pedir admissão na Congregação das Missões Estrangeiras.

Pregar “oportuna e inoportunamente”

Santo Antônio Maria Claret no exilio
Na Cidade Eterna, depois de fazer os Exercícios Espirituais com padres da Companhia de Jesus, resolveu nela ingressar, e começou o noviciado.

Mas sobreveio-lhe aguda dor em uma perna, e teve que voltar para a Espanha. Pouco depois o Padre Geral da Companhia de Jesus lhe escrevia: “Deus o trouxe à Companhia, não para nela ficar, mas para que aprendesse a ganhar almas para o Céu”.

Antônio Maria obteve então licença para pregar missões na Catalunha e nas ilhas Canárias. Operava curas milagrosas, tanto materiais quanto espirituais, expelindo demônios dos possessos, regularizando casais mal-casados.

A isso movia-o o intenso desejo de livrar almas do inferno, pois “obriga-me a pregar sem parar o ver a multidão de almas que caem nos infernos, porque é de fé que todos os que morrem em pecado mortal se condenam”.

Animava-o o exemplo de São Paulo: “Como corre de uma parte a outra, levando, como vaso de eleição, a doutrina de Jesus Cristo!

Ele prega, escreve, ensina nas sinagogas, nos cárceres e em todas as partes; trabalha e faz trabalhar oportuna e inoportunamente; sofre açoites, pedras, perseguições de toda espécie, calúnias as mais atrozes”. Pode-se dizer que essa descrição cabe também a Santo Antônio Maria Claret.

Diz ele: “Quando ia missionando, tocava nas necessidades e, segundo via e ouvia, escrevia um livrinho ou um folheto. Se na população observava que havia o costume de cantar cânticos desonestos, publicava um folheto com um cântico espiritual ou moral. Por isso os primeiros folhetos que publiquei, quase todos, são de cânticos”.

Fundador dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria
Santo Antônio Maria Claret no exilio
Em 1849 o Pe. Antônio Maria fundou, com mais cinco sacerdotes, uma Congregação religiosa cujos membros seriam seus auxiliares na obra das missões, com o nome de Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria.

Assim descreve como deve ser esse missionário: “Um Filho do Imaculado Coração de Maria é um homem que arde em caridade e que abrasa por onde passa; que deseja eficazmente e procura por todos os meios acender em todo o mudo o fogo do divino amor. Nada o pára; goza nas privações; procura os trabalhos; abraça os sacrifícios; compraz-se nas calúnias e se alegra nos tormentos. Não pensa senão em como seguirá e imitará a Jesus Cristo em trabalhar, sofrer e no procurar sempre e unicamente a maior glória de Deus e a salvação das almas”.

Nomeado Arcebispo de Santiago de Cuba em 1850, afirma em suas palavras de saudação que “a verdadeira Prelada será a Virgem Santíssima, e a forma de governo a que Ela me inspire”.

Na primeira missão que pregou na Ilha o fruto foi tão grande, que 40 confessores não foram suficientes para atender todas as confissões. A comunhão geral, distribuída por três sacerdotes, durou seis horas! Somente nessa missão, foram legitimados 8.577 matrimônios.

Os “espíritos fortes” fizeram várias tentativas infrutíferas para matá-lo, mas Nossa Senhora velava por ele.

Espirito profético. Desvendando o futuro de Cuba e Espanha

Santo Antônio Claret fez muitas profecias. Por exemplo, quando em Cuba, profetizou “grandes terremotos”. Estes vieram. Quando as autoridades quiseram remover os escombros, alertou: “Haverá outro”. Depois profetizou: “Se os pecadores não despertam com os terremotos, Deus passará a castigá-los no corpo com a peste ou cólera”.

Veio a epidemia de cólera-morbo, que em três meses fez 2.734 vítimas. Afirmou, no entanto, que isso fora uma misericórdia de Deus, porque “muitos que não se haviam confessado na missão, se confessaram para morrer; e outros, que se haviam convertido e confessado na missão, se haviam precipitado outra vez nos mesmos pecados. E Deus, com a peste, os levou”.
A rainha Isabel II da Espanha tinha como diretor espiritual a Santo Antônio Maria Claret
Em 1861, já como confessor da Rainha Isabel II, “o Senhor me fez conhecer os três grandes males que ameaçavam a Espanha, e são: o protestantismo, ou melhor, a descatolização, a república e o comunismo. Para atalhar estes males, me deu a conhecer que se haviam de aplicar três devoções: o Triságio, o Santíssimo Sacramento e o Rosário”.

Combatendo os erros dos socialistas

Escrevendo sobre uma visita que fez às províncias da Andaluzia, na Espanha, no ano de 1862, o indômito Arcebispo comenta o trabalho dos socialistas naquela região, aproveitando-se da apatia de governantes e eclesiásticos. Anota vários erros espalhados por eles, dos quais, por sua atualidade, citaremos um que poderia ser subscrito hoje pela CPT, MST e congêneres:

“Até agora os ricos desfrutaram as terras. Já é tempo que as desfrutemos e as dividamos entre nós. Essa divisão não só é de eqüidade e justiça, mas também de grande utilidade e proveito; pois os terrenos aglomerados pelos ricos ladrões são infrutíferos. Divididos entre nós em pequenos lotes, e cultivados por nossas próprias mãos, darão abundantes colheitas”.

Comenta o Santo: “Com essas perorações e demais meios tão aliciantes e fascinantes, e ameaçando e insultando aos que não cediam logo, foi como [o movimento socialista] tomou grandes proporções em tão pouco tempo”.

Santo Antônio Maria Claret faleceu no dia 24 de outubro de 1870, no mosteiro cisterciense de Fontfroide (França), sendo canonizado por Pio XII em maio de 1950. A sua festa litúrgica celebra-se no dia 23 de outubro.

Sobre sua sepultura, como epitáfio, puseram as conhecidas palavras do Papa São Gregório VII: “Morro no desterro por ter amado a justiça e odiado a iniquidade”.

Santo Antônio Maria Claret e Clara
A seguir duas belas orações compostas por Santo Antônio Maria Claret;

Oração de Santo Antônio Maria Claret para pedir as virtudes

Creio, Senhor, mas fazei que eu creia com mais firmeza.
Espero, Senhor, mas fazei que eu espere com mais segurança.
Amo, Senhor, mas fazei que eu ame com mais ardor.
Arrependo-me, Senhor, mas fazei que me arrependa com mais força.
Eu vos suplico, Senhor: que quereis que eu faça?
Ensinai-me a cumprir vossa vontade, porque vós sois o meu Deus.
Concedei-me um coração atento, para entender o vosso povo e discernir entre o bem e o mal.
Pai, dai-me humildade, mansidão, castidade, paciência e caridade.
Ensinai-me a bondade, a ciência e a disciplina e dai-me a imensa riqueza do vosso amor e da vossa graça.
Meu Deus, meu Jesus: com todo o meu ser, quero viver na Cruz, na Cruz morrer, da Cruz não descer por minhas mãos, mas pelas mãos dos outros e somente depois de ter consumado meu sacrifício.
Quanto a mim, jamais me aconteça gloriar-me em outra coisa que não seja a Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por quem o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo. Amém.

Invocações a Maria

Deus vos salve, Imaculada Maria, Filha de Deus Pai,
Deus vos salve, Imaculada Maria, Mãe de Deus Filho.
Deus vos salve, Imaculada Maria, Templo de Deus Espírito Santo.
Deus vos salve, Maria, Mãe e Advogada dos pecadores.
Bendita sois entre todas as mulheres.
Vós sois a glória de Jerusalém, a alegria de Israel e a honra do nosso povo.
Vós sois o amparo dos excluídos, o consolo dos aflitos, a luz dos navegantes.
Vós sois a saúde dos enfermos, o alento dos moribundos e a porta do céu.
Depois de Jesus Cristo, fruto bendito do vosso ventre, Vós sois toda a nossa esperança.
Ó clemente, ó piedosa, ó doce e Imaculada Maria!

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Notas:
1- AAS 42 (1950), 480. Apud San Antonio Maria Claret – Escritos Autobiográficos y espirituales, Biblioteca de los Autores Cristianos (BAC), Madrid, 1959, Prólogo, p. xv.
2- Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, S. A., Saragoça, 1955, vol. V, p. 543.
3- Autobiografia, BAC, edição acima. Todos os textos citados entre aspas sem menção da fonte foram extraídos desta obra.

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São Norberto de Xanten, Fundador dos Premonstratenses

São Norberto de Xanten
São Norberto de Xanten, Fundador dos Premonstratenses

Sua conversão deu-se de modo semelhante à de São Paulo. De muito nobre estirpe, tornou-se grande pregador popular, flagelo das heresias, reformador de costumes e fundador de mosteiros

Norberto nasceu em Xanten, na margem esquerda do Reno, próximo de Colônia, no ano 1080. Seu pai, Heriberto, era conde de Gennep e aparentado com a família imperial; e sua mãe, Hadwige, pertencia à Casa de Lorena.

Seus pais o destinavam à carreira eclesiástica, e ele recebeu as ordens sacras até o subdiaconato. Porém, rico, belo, inteligente, não queria senão levar boa vida, primeiro entre os pajens do Arcebispo de Colônia, depois na corte do Imperador alemão, Henrique IV.

Assim passou alegre e superficialmente sua juventude até os 33 anos. “Eu era então um ínclito cidadão de Babilônia — declarará ele depois de convertido – escravo do prazer e prisioneiro dos meus caprichos. Os terrores do inferno, a beleza da virtude e a promessa da felicidade eterna me pareciam contos de velhas, ou fábulas como as das mitologias antigas. Só ouvia os aplausos dos que me rodeavam e que me lançavam por caminhos laboriosos e difíceis, andando sempre sem tornar atrás, vago e fugitivo, despencando-me de cimo em cimo com uma inconsciência que hoje me cumula de terror”.

Queda do cavalo e conversão, como São Paulo
Conversão de São Norberto
Isso até soar a hora da Providência. E esta chegou da maneira mais inesperada. Viajava ele um dia a cavalo, acompanhado de um pajem, para uma vila chamada Freten, na Westfália, atravessando bela pradaria. O céu, límpido e sereno, de repente cobriu-se de espessas nuvens negras e começou a cair uma tempestade com raios e trovões pavorosos. O pajem, talvez inspirado por uma graça divina, gritou: “Senhor, aonde vais? Retornai, senhor, retornai, pois a mão de Deus está seguramente contra vós”. Mas Norberto seguia em frente, quando ouviu uma voz poderosa que lhe gritou do alto: “Norberto, Norberto, por que me persegues? Eu te destinei a edificar minha Igreja, e tu escandalizas os fiéis!”.

Ao mesmo tempo um raio caiu a seus pés, fazendo-o tombar do cavalo ao solo, onde permaneceu desacordado durante uma hora. Voltando a si, ainda assustado e considerando a vida que levara durante tanto tempo, foi tomado de arrependimento e perguntou, como o Apóstolo: “Senhor, que quereis que eu faça?”. Ouviu então a mesma voz: “Deixa o mal e faze o bem; procura a paz e segue-a”. Isso ocorreu em 1114.

O exemplo de sua vida convertia as almas

Afresco de São Norberto
Norberto tornou-se um outro homem. Passou a amar aquilo que desprezara e a desprezar aquilo que amara; transformou-se num rígido asceta, num censor severo de quanto havia buscado e amado, num pregador intransigente da verdade.

Para entregar-se com mais facilidade à pregação, ordenou-se sacerdote, vendeu seu castelo e seus pertences, distribuiu tudo aos pobres. Enquanto isso, visitava freqüentemente o monge Conon, Abade de Seigberg, próximo a Colônia, de quem aprendeu os rudimentos da vida religiosa e os princípios da vida espiritual, de modo que passou a receber de bom coração tudo o que lhe acontecia de importuno e a mortificar suas más inclinações.

Norberto transformou-se então num pregador ambulante, indo de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, fustigando o vício e pregando a virtude. Andava descalço em qualquer estação do ano, mesmo com neve, vivia de esmolas, dormia em hospitais e mosteiros.

Em suas pregações, não poupava nem mesmo os cônegos relaxados e os clérigos mundanos, combatendo a simonia, uma das pragas da época. Sua imponente presença impressionava; e quando contava sua história, comovia. Seu exemplo era mais eficaz que sua palavra. Mas muitas vezes foi vítima de agressões e maus tratos de pecadores empedernidos.

Pregador do Evangelho e taumaturgo

São Norberto de Xanten
Ele foi até a Abadia de Saint-Gilles, na diocese de Nimes, no Languedoc, onde o Papa Gelásio II se havia retirado para fugir da perseguição do Imperador Henrique. Dele obteve um breve, para poder predicar como pregador evangélico em todos os lugares.

Estando em Valenciennes, encontrou-se com o bispo Burchard, seu par na corte do Imperador. O bispo ficou extremamente surpreso em ver o antigo e elegante cortesão assim transformado. Abraçou-o ternamente. Um de seus capelães ficou tão impressionado com a história de São Norberto, que quis segui-lo como discípulo. Chamava-se Hugo, e absorveu tão bem o espírito de seu mestre, que foi seu sucessor na Ordem que Norberto fundaria.

São Norberto recomeçou suas andanças apostólicas, e sua palavra persuasiva era acompanhada de milagres. Um senhor flamengo, que depois de ouvir a palavra do Santo não quis reconciliar-se com seu vizinho, caiu nas mãos de seus inimigos e foi assassinado. Outro senhor, que quis partir para não se reconciliar com seu inimigo, seu cavalo não conseguia mover-se para levá-lo. Ele reconheceu o milagre, pediu perdão ao Santo e abraçou seu ex-inimigo.

Entretanto, tendo o Papa Gelásio II falecido na Abadia de Cluny, foi eleito o Arcebispo Guy, de Vienne, sob o nome de Calixto II. São Norberto foi visitá-lo para obter a mesma permissão que seu antecessor lhe dera, para continuar pregando. Mas o bispo de Laon, que queria o grande pregador para sua diocese, suplicou ao Papa que o enviasse para reformar a Abadia de São Martinho de Laon, que pertencia a cônegos regulares. O Sumo Pontífice consentiu.

Mas a empresa fracassou, porque os cônegos não quiseram abraçar a reforma que Norberto lhes propunha, pois desejavam seguir o seu sistema de vida quase de seculares.

Fundação da Ordem dos Premonstratenses
Santo Agostinho aparece a São Norberto e lhe apresenta uma regra escrita por ele mesmo, prometendo abundantes graças a seus seguidores
O bispo, para não perder a colaboração do Santo, propôs-lhe que fundasse um mosteiro em suas terras, onde poderia receber discípulos e fundar uma nova Ordem religiosa. Norberto aceitou e escolheu um vale de difícil acesso perto de Soissons, que se chamava Premostratum. Inspirado, ele exclamou: “Este é o lugar de meu descanso e o porto de minha salvação”.

No dia da conversão de São Paulo do ano de 1120, o bispo trocou os trajes de penitente de São Norberto e de seu discípulo Hugo por um hábito branco, conforme a Santíssima Virgem tinha mostrado ao Santo. Começou assim a Ordem dos Premonstratenses, que depois se espalharia por toda a Europa.

Norberto edificou uma ermida, conquistou novos discípulos e deu-lhes o hábito branco e as regras de Santo Agostinho, e um modo de ser que consistia em viver como monges e servir ao próximo como clérigos.

Ele era uma regra viva para seus monges e um modelo das virtudes religiosas. Recomendava-lhes freqüentemente três coisas: a pureza de coração e a limpeza exterior no que concernia aos divinos ofícios e ao serviço do altar; a expiação de suas faltas e negligências no capítulo; e a hospitalidade para com os pobres.

São Norberto estabeleceu também em Premontré uma comunidade de jovens e viúvas, para ser o bom odor de Jesus Cristo em sua Igreja.

Sua fama espalhou-se por toda a região. Muitos foram os nobres que lhe deram terras para fundar outros conventos, e não poucos os que o seguiram como religiosos.

O conde Thibault de Champagne quis imitar o fervor de São Norberto como discípulo seu. Mas o Santo lhe declarou que era vontade de Deus que ele O servisse no estado matrimonial. Mas, para que ele pertencesse à Ordem, deu-lhe um pequeno escapulário branco para usar sob as vestes e lhe prescreveu uma regra para viver de maneira religiosa em meio ao mundo. Fazendo depois a mesma graça a inúmeras outras pessoas, surgiu assim a Ordem Terceira Premonstratense.

Combate à heresia e à charlatanice

São Norberto de Xanten
Em Anvers, surgiu um pernicioso heresiarca, de nome Tanquelino, que se apresentou como profeta e reformador religioso. Simples leigo, ele combatia a existência de bispos e clero como coisa desnecessária e perniciosa. Pregava uma moral laxa e convertia as igrejas em lupanares. A bebedeira, a boa vida e a impureza imperavam entre seus discípulos. Ele sabia tão bem fanatizá-los, que chegavam a beber a água na qual ele tinha tomado banho. Ninguém ousava fazer face a esse inovador. Ninguém, exceto São Norberto.

Como um capitão, ele organizou o ataque a esse ímpio que queria destruir a Igreja de Jesus Cristo. Pregou ao povo com tanta eloqüência, que os hereges começaram, pouco a pouco, a pedir perdão e penitência para seus erros, entregando hóstias consagradas, que guardavam em suas casas para as escarnecer. De tal maneira refutou os erros de Tanquelino, que este não viu outro caminho senão fugir para outra cidade, onde fosse desconhecido.

Após a morte do Santo, seu corpo ficou exposto por vários dias sem nenhum sinal de corrupção.

Bispo de Magdeburgo — santa morte de São Norberto
São Norberto de Xanten, ladeado de São Wenseslau e São Segismundo
Em 1126, Norberto foi aclamado bispo de Magdeburgo e entrou em sua diocese montado num asno. De uma bondade comovedora para com o pecador arrependido, o novo bispo era de uma intransigência sem igual para com os recalcitrantes, usando a excomunhão quando necessário. Foi ameaçado de morte e vítima de atentado, mas protegido pela Providência.

Entretanto, apesar de ter apenas 52 anos de idade, seu corpo estava gasto pelos jejuns e penitências, pelas andanças apostólicas e pelo zelo. Depois de uma visita apostólica em sua diocese, foi acometido de violenta doença que, quatro meses depois, o levou ao sepulcro.

Um de seus religiosos viu sua alma transformar-se num lírio alvíssimo, que os Anjos levaram para o Céu.
________
Obras pesquisadas:
– Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, d’après le Père Giry, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, Paris, 1882, tomo VI.
– Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo II.
– F.M. Geudens, The Catholic Encyclopedia, Volume XI.

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São Bonifácio, grande Apóstolo da Alemanha

São Bonifácio

São Bonifácio, grande Apóstolo da Alemanha

Com zelo e energia surpreendentes esse missionário ímpar implantou o cristianismo em terras germânicas, civilizando-as; coroou sua gesta apostólica com a efusão do próprio sangue

Foi no ano de 680, na localidade de Kirton, no reino anglo-saxão de Wessex, que veio ao mundo Winfrid, o futuro Bonifácio.

Sua família brilhava pela Fé e pela posição social.

Com apenas cinco anos, Winfrid já suplicava ao pai que o deixasse abraçar a vida monástica. Este, após repetidas instâncias e não poucas hesitaçães, finalmente cedeu.

Winfrid tinha então sete anos e se dirigiu à Abadia de Exeter, onde iniciou seus estudos sob a conduta do santo abade Wolphard. Alguns anos depois ele os prosseguiu na Abadia de Nursling, Diocese de Winchester.

Nessas duas abadias sua alma se desabrochou.

Em Nursling, seus rápidos progressos nas ciências literárias elevaram-no em pouco tempo à situação de professor. Nessa ocasião compôs uma gramática latina, que ainda existe.

Aos 30 anos recebeu a ordenação sacerdotal e pouco depois, em decorrência de um sínodo do qual participaram o rei Ina e o Clero, foi enviado numa embaixada junto ao Arcebispo de Cantenbury, que deveria aprovar as decisães daquele sínodo. Ele se houve com tanta habilidade e prudência nessa negociação, que a partir daí passou a ser convidado a participar de todos os sínodos.

Mas Winfrid não se interessava apenas pela ciência profana ou por tais embaixadas. Sem intuito de vã erudição, entregou-se ao estudo da Sagrada Escritura, atraído pela sua beleza. E logo começou a ensiná-la aos que o cercavam; até mesmo de conventos distantes acorriam monges a fim de ouvi-lo.

Naquela alma começava a nascer o futuro missionário, que só pensava em fugir das honras e da própria pátria, para ir levar a luz da Fé aos deserdados pagãos.

Em 716 partiu para a Alemanha, terra de seus antepassados, com três companheiros de Nursling.

Chegaram a Utrecht, capital de Friesland, então compartilhada pelos Países Baixos e a Alemanha, e que atraía especialmente o apóstolo por se mostrar mais refratária ao Evangelho. Seu rei, Radbod, era grande perseguidor da Fé católica.

Ali havia estado rapidamente Santo Amand e Santo Elói. Mais tarde tornou-se seara de São Willibrord, Bispo, que após a morte de Pepino de Heristal, em 714, teve de se retirar para a Abadia de Echternach devido à ferocidade dos habitantes.

Winfrid tampouco pôde se estabelecer na região e logo regressou a Nursling, de onde esteve a ponto de nunca mais sair, pois com a morte do velho abade Winbrecht, foi designado por unanimidade para lhe suceder. Entretanto, ingentes instâncias suas e do Bispo de Winchester obtiveram que fosse eleito um outro candidato.

Novamente livre e munido de cartas de seu amigo, o Bispo Daniel, partiu para Roma no outono de 718.

Foi paternalmente acolhido pelo Papa Gregório II, que lhe concedeu, na primavera de 719, uma carta de investidura para pregar a Fé aos idólatras da Germânia. Recomendou-lhe que seguisse as regras da liturgia romana para a administração dos sacramentos, consultando a Santa Sé nos casos difíceis. E mudou-lhe o nome de Winfrid para Bonifácio.

Devido à situação confusa da Germânia, o Papa não havia designado ao zelo do novo missionário nenhuma província específica. Após visitar a Baviera e a Turíngia, a escolha de Bonifácio recaiu novamente sobre Friesland, que acabava de ser reconquistada pelos francos e para onde havia retornado o Bispo Willibrord, seu compatriota.

Este, já velho, viu com alegria a chegada do jovem missionário, e quis logo torná-lo seu coadjutor e sucessor. Contudo, mais preocupado com o trabalho do que com honrarias, Bonifácio decidiu, após três anos de labuta e de experiências fecundas, ir levar a Fé a regiães mais necessitadas.

Atração pelas tarefas árduas
São Bonifácio, detalhe
Partiu assim para interior da Alemanha.

Foi em Hesse que decidiu lançar inicialmente a rede. O território dependia dos francos e já havia sido visitado por missionários irlandeses como Santo Kilion, mas permanecia profundamente pagão. Bonifácio iniciou uma evangelização metódica estabelecendo em Amoenburg a primeira fundação monástica.

Desejoso de levar ao conhecimento do Sumo Pontífice seus primeiros resultados, Gregório II convidou-o a voltar a Roma.

O Papa tinha a intenção de elevá-lo à dignidade episcopal, mas antes queria interrogá-lo para certificar-se de sua doutrina. Bonifácio enviou-lhe então, por escrito, uma profissão de Fé. Foi somente aí que Gregório II revelou-lhe o projeto de torná-lo Bispo. E Bonifácio, que havia recusado análogo desejo de São Willibrord, não ousou resistir ao Romano Pontífice: foi sagrado em 30 de novembro de 722.

Tornou-se Bispo, não de uma diocese particular, mas dependente diretamente da Santa Sé. Nessas circunstâncias, prestou juramento de persistir na pureza da santa Fé católica, na unidade da Igreja universal e na fidelidade ao Vigário de Cristo. O Papa enviou-lhe uma coletânea dos cânones dos Concílios e cartas de recomendação, especialmente a Carlos Martel. O Duque dos francos dispensou-lhe boa acolhida e deu-lhe um salvo-conduto.

A proteção do Duque, mas sobretudo a missão concedida por Roma e o caráter episcopal de que se achava doravante revestido granjearam-lhe novo prestígio aos olhos do germanos. E o Santo não perdeu tempo.

A população de Hesse tomava por divindade o carvalho sagrado de Thor, na montanha de Gudenberg, em Geismar. Bonifácio decidiu ir com alguns companheiros abatê-lo. Apenas iniciada a tarefa, a árvore veio abaixo, como se tivesse sido atingida por um vento impetuoso. Os pagãos viram nisso um julgamento de Deus. E diante da impotência dos ídolos em se defenderem, passaram em grande número para a Fé cristã. O Bispo serviu-se da madeira para edificar, no local, uma capela em honra de São Pedro.

Ao cabo de um ano, Bonifácio julgou a evangelização em Hesse suficientemente avançada para que pudesse deslocar-se à Turíngia, onde permaneceria durante sete anos (724 a 731).

Ali, embora já tivesse havido pregação católica, a vida religiosa encontrava-se extremamente langorosa, com o Clero ignorante ou relaxado.

Bonifácio decidiu então fundar o Mosteiro de São Miguel de Ohrdruff, perto de Gotha, que viria a ser uma fortaleza do cristianismo. Para povoá-lo, e a fim de obter auxiliares para sua obra, apelou a seus amigos ingleses, homens e mulheres. Estes, vendo o ardor que animava o missionário, acorreram logo e em grande número.

Para a consolidação dessa empresa muito contribuíram os irlandeses, tanto pela sua generosidade quanto por seu santo exemplo e zelo apostólico, havendo fundado vários mosteiros.
Recebe apoio dos grandes; autonomia preservada
São Bonifácio
Bonifácio e os seus introduziram um método missionário especial, que consistia em procurar o apoio dos reis e dos grandes, sem contudo a eles se enfeudar. Para apoiar o apostolado e manter os resultados, apelavam aos mosteiros. Assim, em Hesse houve fundaçães nas cidades de Amoenburg e de Fritzlar; na Turíngia, em Orhdruff para homens, e em Kitzingen, Ochsenfurt e Bischoffsheim para mulheres.

Esses mosteiros na realidade eram verdadeiras escolas de civilização, ensinando a agricultura, as artes e sobretudo a Fé cristã.

A última correspondência enviada por Gregório II a Bonifácio — que nunca deixou de colocar o Papa a par de tudo quanto fazia — precedeu de pouco a morte do Pontífice, ocorrida em 11 de fevereiro de 731.

Sucedeu-lhe Gregório III, a quem Bonifácio apressou-se em felicitar e informar a respeito de seus trabalhos. Em resposta, o novo Papa nomeou-o Arcebispo e conferiu-lhe o pálio. Faltava agora prover de Bispos as diferentes províncias alemãs evangelizadas por Bonifácio, que velaria sobre o conjunto e atenderia a seus interesses. Permaneceu por isso sem sede fixa.

A província que desde logo atraiu seu zelo foi a Baviera. Evangelizada por São Ruperto e São Corbiniano, ela ainda se mantinha sem qualquer organização hierárquica e abrangia boa parte da Áustria, sendo uma das maiores regiães da Alemanha.

São Bonifácio permaneceu naquela província durante quase nove anos (732 a 741), sendo essa fase de sua vida entremeada por uma estada em Roma de cerca um ano (738-739), quando foi manifestar ao Sumo Pontífice sua veneração e submissão, conferir com ele sua atuação e externar o peso das preocupaçães e sofrimentos que o acabrunhavam.

Chegou à Cidade Eterna com vários companheiros, viu o Sucessor de Pedro, assistiu a um Concílio e regressou consolado, encorajado, esclarecido e carregado de relíquias para suas novas fundaçães. Além disso, conquistou dois irmãos, igualmente ingleses: Wunnibald, que fora em peregrinação a Roma e ali se tornara monge; e através dele Willibald, que estendera sua viagem até Jerusalém e depois juntou-se ao irmão na Alemanha, onde São Bonifácio mais tarde o faria Bispo.

Regressou à Baviera para retomar a evangelização e provê-la de dioceses, estabelecendo-as em Salzburg, Freysing, Regensburg e Passau. Uma vez dotada de organização regular e expulsos os elementos de desordem, a Fé retomou novo vigor. Isso feito, voltou São Bonifácio a Hesse e à Turíngia.

Na Turíngia meridional ou Francônia, nosso Santo criou uma diocese em Wurzburg. Para unir essas terras aos domínios da Baviera, criou outra sede episcopal, desta vez em Eichstadt, da qual ficou sendo bispo o já citado Willibald, e onde foram logo fundados dois mosteiros.

Desse modo, decorridos cerca de vinte anos, São Bonifácio havia edificado uma vasta e sólida cristandade nos territórios submissos aos francos. Mas ainda restava coroar essa obra.

Já se viu o amor que São Bonifácio tinha pelos mosteiros e a importância que lhes atribuía, a ponto de cada diocese possuir um ou vários. E de há muito nutria o desejo de ver um implantado no centro da Alemanha, que lhe servisse ao mesmo tempo de lugar de repouso e quartel-general.

Encarregou então Sturmi, um jovem monge, de descobrir nas florestas de Hesse e da Turíngia um local bastante amplo, e ao mesmo tempo rico e bem protegido, para nele receber um considerável número de monges e missionários.

A procura foi longa e penosa, mas finalmente Sturmi encontrou, no coração da floresta, um homem que lhe indicou o local sonhado. Sturmi já havia visto esse local, mas não soube avaliar sua aptidão para a finalidade visada. Uma verificação mais atenta convenceu-o, e após abençoar o lugar, voltou radiante para avisar São Bonifácio. Este pediu em seguida ao rei Carlomano a cessão desse terreno, em Fulda, e puseram mãos à obra.

A constituição do Mosteiro de Fulda

No dia 12 de janeiro de 744, Sturmi e sete outros monges tomaram posse do lugar. Todos os anos São Bonifácio ali se dirigia, para repouso e recolhimento, bem como para instruir aqueles jovens nas tradiçães monásticas.

O Mosteiro de Fulda transformou-se na base sólida para a evangelização da Alemanha, e contava, à morte de São Bonifácio, com 400 monges. Para a realização da importante tarefa que tinha em vista realizar através dela, obteve do Papa Zacarias imunidade pontifícia, o primeiro privilégio do gênero conhecido na História.

Mas o zelo do Apóstolo da Alemanha ia mais longe. Com a morte de Carlos Martel, em 741, o reino franco foi dividido entre seus filhos Pepino e Carlomano. Este último, íntimo amigo de São Bonifácio, terminaria seus dias como monge, na Abadia de Monte Cassino, na Itália. Mas como herdou a Austrásia, dele dependeria doravante São Bonifácio.

Ambos decidiram então eliminar muitos abusos de leigos desejosos de deter os benefícios e as honras na Igreja — que haviam recebido em recompensa por serviços prestados a Carlos Martel –, substituindo-os por pessoas santas que de fato os mereciam. E ao mesmo tempo proceder a uma reforma na disciplina dos monges celtas, muito independentes em relação à Hierarquia.

Enérgico reformador da disciplina eclesiástica
busto de São Bonifácio, na Basilica dedicada a ele em Manitoba, Canada
Em 742, com o consentimento do Papa Zacarias, decidiu São Bonifácio convocar Concílios a fim de empreender a reforma da disciplina eclesiástica.

Pepino também quis para si algo de análogo, e assim foi realizado um Concílio em Soissons (743), para os seus Estados, e no ano seguinte outro, geral, com a presença de todos os Bispos francos.

Sem esses Concílios o belo período de prosperidade da época carolíngia não teria existido. E o mérito por quase tudo isso se deve a quem os dirigiu, ou seja, a São Bonifácio.

Eis algumas das medidas tomadas: estreitar os laços dos padres com seus Bispos e destes com seus Arcebispos; destituir os Prelados indignos e substituí-los por Bispos santos (entre os quais convém citar Santo Crodegang, Bispo de Metz, que trabalhou eficazmente na reforma do Clero e na instituição dos cônegos regulares); impor aos nobres a devolução dos bens eclesiásticos por eles confiscados.

Em 747 foi convocado um Concílio para sancionar as deliberaçães dos anteriores. Todos os Bispos presentes assinaram uma profissão de Fé, a qual foi depositada no trono de São Pedro antes de ser entregue ao Papa, para marcar a união da Igreja franca e sua submissão ao Vigário de Cristo.

Os cuidados que prodigalizou à Igreja franca não fizeram São Bonifácio esquecer as necessidades da Igreja germânica, cuja organização ele quis completar.

Não tendo sede fixa, pensou estabelecer-se em Colônia, de onde poderia dirigir ao mesmo tempo a Gália, a Germânia e Friesland, que pretendia reconquistar. Mas como havia muitos elementos irredutíveis no Clero franco de Colônia, acabou aceitando, em 747, a Sede primacial de Mainz.

Nesse mesmo ano Carlomano abdicou e retirou-se para a Abadia de Monte Cassino. Em 752 São Bonifácio sagrou Pepino o Breve como Rei dos francos, em Soissons, dando início à época carolíngia.

Coroação da vida pelo martírio
túmulo de São Bonifácio em Fulda, Alemanha
Já septuagenário, São Bonifácio quis partir para Friesland. Pressentindo entretanto a morte que se aproximava, antes de viajar pediu para ser sepultado em Fulda.

Dirigiu-se a Utrecht em 753, retomando as viagens apostólicas, até o momento em que, surpreendido pelo fanatismo dos pagãos, foi por eles martirizado em Dokkum, juntamente com 52 companheiros. Era o dia 5 de junho de 754.

Seus restos mortais foram transportados inicialmente para Mainz, e em seguida, atendendo seu desejo, para Fulda, onde repousam.
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Fontes de referência
1) Vie des Saints, Les Petits Bollandistes, Bar-le-Duc, Typographie des Célestins, Ancienne Maison L. Guérin, 1874, t. V, p. 459 a 464.
2) Vie des Saints, par les RR. PP. Bénédictins de Paris, Librairie Letouzey et Ané, 1946, vol. V, p. 83 a 93.

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São Bernardo de Corleone; santo capuchino da Sicília

São Bernardo de Corleone
São Bernardo de Corleone; santo capuchino da Sicília

Dotado de temperamento violento, extraviou-se no caminho da turbulência; convertendo-se, com a mesma radicalidade seguiu o caminho da virtude de modo a alcançar a honra dos altares

Felipe, como se chamava no mundo esse santo capuchinho, nasceu em Corleone, na Sicília, no ano de 1605. Seu pai era humilde artesão; e a família, tão piedosa que sua casa era conhecida como a “casa dos santos”. Embora não pudessem dar aos filhos uma educação esmerada, transmitiram-lhes a riqueza da prática e ensinamentos de nossa santa Religião.

Entretanto Felipe tinha um caráter fogoso e independente, dificilmente controlando seu espírito rebelde, insensível a ameaças e castigos.

Com o pai aprendeu a profissão de sapateiro, mas, independente e ambicioso como era, logo começou a trabalhar por conta própria.

Na carreira das armas, encrenqueiro nato

crucifixo perante o qual rezava São Bernardo de Corleone
Após o falecimento do pai, que tinha certa autoridade sobre ele, Felipe resolveu fazer-se soldado. Com seu espírito belicoso, logo começou a meter-se em encrencas, chegando mesmo a tornar-se algumas vezes feroz. A um comissário de guerra que se dirigiu a ele de modo altivo, cortou a cabeça com um golpe de sabre.

Também decepou o braço de um fidalgo que levantara a mão para esbofeteá-lo. Matou três bandidos que o assaltaram e ameaçavam tirar-lhe a vida. Travou vários duelos com companheiros de armas que dele discordavam em qualquer ponto.

Em meio a esses desvarios, entretanto, Felipe tinha alguns bons movimentos. Certo dia, por exemplo, em que dois soldados roubaram de um compatriota seu o dinheiro do trigo que vendera a duras penas, ele os perseguiu e fê-los devolver o dinheiro.
crucifixo restaurado perante o qual rezava São Bernardo de Corleone
Outra vez, passando com um amigo por um bosque, ouviu gritos de socorro. Acorrendo pressuroso, viu uma jovem que se debatia entre quatro facínoras que queriam roubar-lhe a pureza. Não teve dúvidas: descarregou a pistola sobre o mais afoito deles e fez os outros fugirem espavoridos.

Quando sentia remorsos por sua má vida, fazia alguma boa obra para aliviar a consciência. Mas não ia além. Um dia em que ganhou uma soma considerável, pensou: “É justo que eu resgate alguns dos meus pecados”. E depositou a quantia no cofre de esmolas do hospital.

Seu rancor era proverbial e não perdoava nem mesmo os mortos. Assim, certa vez, quando se realizavam os funerais de um senhor com quem havia tido um atrito, entrou na igreja no momento da encomendação do corpo e, diante da viúva e dos parentes do falecido em lágrimas, começou a gargalhar, para dar mostras de sua alegria por aquela morte.

Isso lhe valeu uma boa sova. Mais ainda: os parentes do falecido entraram em processo criminal contra o brigão, que foi perseguido pela polícia, tendo que se refugiar numa igreja para gozar do direito de asilo.

Hora da Providência: a conversão de São Bernardo de Corleone
São Bernardo de Corleone
Chegara, finalmente, o momento para mudança de vida. Abandonado, perseguido pela justiça e pela própria consciência, Felipe foi aos poucos caindo em si. Não tendo outra coisa a fazer, começou a considerar a miserável vida que levava, e quão perto estava de sua eterna perdição. A graça, penetrando em sua alma, fez o resto. Com um coração contrito e humilhado, pediu a Deus perdão por seus pecados e prometeu retirar-se do mundo para terminar seus dias em atos de penitência e de piedade. Depois de uma contrita confissão geral, dirigiu-se ao convento capuchinho de Palermo.

O superior, conhecendo sua reputação, tratou-o com rigor e mandou-o falar com o Padre Provincial, então de visita ao convento da cidade. Este também conhecia a má fama de Felipe e não o quis receber. Finalmente, tocado pelas insistências do infeliz, deu-lhe esperanças de o admitir na Ordem se ele fizesse, à família enlutada, reparação cabal pelo escândalo dado.

Felipe, apesar do obscuro nascimento, era dessas almas que se entregam com ardor ao bem, após ter-se entregue ao mal. Tinha horror à mediocridade e não gostava de meios termos. Assim, por mais dolorosa que fosse a prova, enfrentou-a com altaneria e foi lançar-se aos pés das pessoas afetadas, pedindo-lhes humildemente o perdão.

Aqueles bons cristãos, vendo seu sincero arrependimento, o concederam de coração. Assim Felipe foi recebido no noviciado, mudando seu nome para Bernardo de Corleone, que o imortalizaria. Tinha então 27 anos de idade.

Radicalidade santa na prática da virtude
Objetos de São Bernardo de Corleone
Uma vez postas as mãos no arado, Frei Bernardo não olhou mais para trás, e caminhou a passos largos pela senda da humilhação e da penitência com o mesmo ardor com que se tinha entregue ao mal. De espírito independente antes, mostrou-se agora o mais obediente dos religiosos, procurando mesmo adivinhar o menor desejo dos superiores.

Como antes tinha sido ganancioso e desejoso dos bens terrenos, observou de tal maneira a santa pobreza, que muitos o comparavam ao Poverello de Assis. Nada possuía, a não ser um hábito gasto, um terço, uma cruz e uma disciplina para domar os impulsos desregrados de seu temperamento. Passou a dormir no chão, e apenas três horas por noite.

Disciplinava-se até o sangue e vivia a pão e água. As rudes provas a que o submetiam seus superiores, por mais humilhantes que fossem, apenas aumentavam-lhe o fervor. Sofreu inúmeros assaltos do demônio, os quais, em vez de abalar sua constância, o fortaleciam cada vez mais.

Frei Bernardo, embora simples e sem cultura, atingiu as mais sublimes alturas da oração e mereceu a honra de ser distinguido por graças especiais de Nosso Senhor e da Bem-aventurada Virgem Maria, chegando a conhecer os mais profundos mistérios de nossa Fé.

Em Palermo todos comentavam tão profunda mudança. Um alto funcionário do rei foi um dia ao convento para comprovar o que diziam do antigo malfeitor.

Quando o viu junto a si, tratou-o com altivez e desdém. Mas as respostas de Frei Bernardo foram tão sobrenaturais, tão humildes e desapegadas, que o fidalgo acabou abraçando-o efusivamente, pedindo-lhe desculpas por sua altivez e recomendando-se às suas orações.

No dia da profissão religiosa de Frei Bernardo, o povo de Corleone acorreu em multidão para edificar-se com esse exemplo tão cabal de conversão religiosa.

Caridade exímia para com os necessitados
Crucifixo e cordão de São Bernardo de Corleone
Foi com verdadeira alegria que recebeu a função de enfermeiro numa época em que havia no convento vários frades com moléstia contagiosa.

Frei Bernardo prestava-lhes os auxílios mais humilhantes, tratando a cada um como se fosse o próprio Cristo Jesus. Foi também ajudante de cozinha e, para exercer melhor a humildade, lavava as roupas dos sacerdotes do convento.

Entretanto, queria mais. Por isso, implorou aos superiores licença para socorrer os habitantes de Scarlato, muitos dos quais morriam por causa de uma epidemia que assolara a cidade. Assim, os habitantes da região passaram a ver nele um anjo tutelar, a quem recorriam em todas as vicissitudes. E vários fatos provaram a caridade e bom senso desse irmão leigo.

Preso e feito escravo por corsários muçulmanos
Certidão de nescimento de São Bernardo de Corleone
Deus queria que Bernardo, por novos sofrimentos, expiasse mais cabalmente as faltas da vida passada. Certo dia os religiosos o mandaram fazer uma viagem por mar, de Palermo a Messina. O barco em que viajava foi atacado por corsários muçulmanos, e ele levado prisioneiro para o Magreb, onde foi vendido como escravo.

Já essa situação de escravidão entre infiéis é de si penosa. Mas a dele foi agravada pelas importunações impuras de uma jovem escrava. Evidentemente ele se opôs com toda tenacidade àquele pecado. O que levou a mulher, irritada, a obter do patrão comum que, depois de o ter espancado severamente, pusesse Frei Bernardo a ferros em imundo cubículo.

Finalmente Deus quis recompensar seu servidor, e numa troca de prisioneiros ele voltou para a Itália.

Na exumação, corpo encontrado incorrupto
Urna contendo as rel�quias de São Bernardo de Corleone
Frei Bernardo de Corleone fazia-se notar por sua terna devoção à Paixão de Cristo, um profundo amor à Virgem Maria e à Santíssima Eucaristia — e, coisa rara para a época, tinha a dita de comungar diariamente. Praticando o primeiro Mandamento em grau heróico, amava a Deus sobre todas as coisas; e também ao próximo como a si mesmo. Por isso, assolando a peste a cidade de Castelnuovo, obteve dos superiores licença para acompanhar cinco religiosos capuchinhos que lá iam socorrer os atingidos.
detalhe da urna de São Bernardo de Corleone
Entregando-se de corpo e alma ao cuidado deles, sua natureza, antes tão robusta, mas gasta por penitências e privações voluntárias, sucumbiu. Atingido pela peste, Frei Bernardo faleceu no dia 12 de janeiro de 1667, na idade de 60 anos.

Seu funeral foi um acontecimento no reino da Sicília. Tal era a fama de sua santidade, que os grandes do reino quiseram ter a honra de carregar sobre os ombros seu caixão.

Muitos milagres ocorreram junto a seu túmulo, o que levou o arcebispo de Palermo a trabalhar pelo seu processo de canonização. Seu corpo foi exumado sete meses depois de sua morte e encontrado incorrupto. O Papa Clemente XIII beatificou-o em maio de 1768 e João Paulo II canonizou-o em 2001.

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Obras consultadas:
– Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral Libraires-Éditeurs, Paris, 1882, tomo I, pp. 334 e ss.
– Pe. Jean Croisset, Año Cristiano, Saturnino Calleja, Madrid, 1901, tomo I, pp. 166 e ss.
– Pe. José Leite, Santos de Cada Dia, Editorial A. O., Braga, 1993, tomo I, p. 57.

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São Carlos Borromeu, peça-mestra da Contra-Reforma católica e do Concílio de Trento

São Carlos Borromeu

São Carlos Borromeu, peça-mestra da Contra-Reforma católica e do Concílio de Trento

Peça-mestra da Contra-Reforma católica, grande propugnador do Concílio de Trento, realizou profunda reforma na arquidiocese de Milão. Foi um exemplo de verdadeiro Pastor, por seu zelo pelas almas e santidade de vida.

Carlos Borromeu nasceu no castelo de Arona, nas margens do Lago Maior, Ducado de Milão, a 2 de outubro de 1538, filho dos condes Gilberto e Margarida de Médici. A mãe era irmã do Cardeal João Ângelo, que seria elevado ao sólio pontifício com o nome de Pio IV.

Dizia-se do conde que levava mais a vida de monge que a de grande senhor, rezando diariamente o breviário e dedicando muitas horas à oração e às boas obras. A condessa emulava com ele em piedade.

Todos os biógrafos do futuro santo mencionam uma claridade extraordinária que envolveu o castelo de Arona quando nascia o menino, tomada como sinal a denotar a luz de santidade que o recém-nascido projetaria em toda a Cristandade.

Com pais tão virtuosos, era natural que também se desse logo cedo à piedade, sendo suas distrações montar altares e repetir cerimônias que via na igreja. Desabrochou logo cedo em Carlos a vocação sacerdotal, de modo que já aos oito anos recebeu a primeira tonsura; aos 12, seu tio, Júlio César Borromeu, resignou em seu nome a Abadia de São Graciano e São Felino.

Apesar da pouca idade, Carlos estava ciente de que as rendas da abadia eram patrimônio dos pobres. Pediu ao pai que as considerasse assim, e que fossem empregadas exclusivamente para esse fim.

Sua infância e juventude, como predestinado desde o berço, foi de grande inocência e perfeita integridade de costumes.

Mesmo quando foi terminar seus estudos na Universidade de Pavia, geralmente conhecida pela debochada vida de seus estudantes, Carlos soube permanecer ileso naquele ambiente, com o auxílio da Virgem Santíssima, por quem nutria filial e confiante devoção, e dos sacramentos da confissão e comunhão.

Cardeal Arcebispo aos 22 anos

Aos 21 anos Carlos doutorou-se nos Direitos civil e eclesiástico. Seus pais tinham já falecido. Sua carreira começaria cedo, pois no ano seguinte seu tio João Ângelo, eleito Papa, chamou-o para junto de si, fê-lo Cardeal Arcebispo de Milão e encarregou-o, apesar de seus 22 anos, da maior parte do governo da Igreja.

Isto é, fê-lo Secretário de Estado sem o título, além de Protonotário Apostólico da firma pontifícia e várias outras honrarias.

Não movido pela ambição, mas pela obediência, Carlos entregou-se ao trabalho. Diz um biógrafo: “Foi coisa admirável que, quanto possuía (causa comumente de ruína para os demais) foi-lhe de não pouca ajuda para a perfeição a que anelava, porque, ocupando tão grande posto e gozando de todos os bens que o ânimo mais altivo apenas atreveria prometer-se, achava tudo tão sem gosto e substância, que generosamente se deu a buscar um só e perfeito bem no qual achasse plena satisfação e cabal paz”.(1)

Carlos alojou-se, vestiu-se e mobiliou seus aposentos com magnificência, para sustentar sua qualidade de príncipe, de cardeal e de sobrinho do Papa.

Mas repentinamente ocorreu o falecimento do Conde Frederico, seu irmão mais velho, a quem o Papa chamara também a Roma e cumulara de honras. Todos esperavam que Carlos, não tendo ainda sido ordenado sacerdote e sendo agora o único herdeiro do nome da família, deixasse a carreira eclesiástica e se casasse para perpetuar o nome. Ele, pelo contrário, acelerou sua ordenação e consagração total a Deus de modo irrevogável.

Considerando então a sublime dignidade sacerdotal e a obrigação que tinha de ser o bom odor de Cristo, despojou-se das ricas vestes de seda, simplificou o serviço de sua casa e escolheu o piedoso Pe. João Batista Ribeira, jesuíta, para seu diretor espiritual. Vendeu também boa parte do seu patrimônio entregando o valor aos tios com a condição de darem parte da renda para a assistência dos seminários, escolas gratuitas, hospitais, conventos e pobres.

Grande propugnador do Concílio de Trento

Uma de suas iniciativas mais importantes foi trabalhar para a conclusão do Concílio de Trento, que fora interrompido. Não podendo dele participar, por causa de seus afazeres em Roma, empenhou-se na publicação de suas Atas e do Catecismo Romano, conforme dispunha o Concílio, e da reforma do breviário.

Trabalhou também para pôr em prática as resoluções dessa assembléia conciliar, principalmente no que diz respeito à reforma do Clero, contando para isso com a ajuda muito eficaz de São Felipe Néri. Cooperou também para a reforma da música sacra, decretada pelo Concílio, e pela adoção da polifonia proposta e executada pelo grande compositor Giovanni Pierluigi da Palestrina.

Como a missão de um bispo é guiar suas ovelhas, começou, para esse fim, a exercitar-se na pregação, com assombro de todos, pois não era costume na época que cardeais se entregassem a esse ministério. Suas palavras penetravam a fundo, obtendo grande fruto.

Conhecendo como era necessário aos bispos o conhecimento da doutrina católica para opor-se às falsas doutrinas dos hereges, começou o estudo de lógica e filosofia.

Mas sobretudo queria pôr em prática as normas do Concílio em sua Arquidiocese de Milão, como pastor de almas que era. Depois de muito insistir, obteve do Papa licença para dela tomar posse.

Autêntica reforma na diocese de Milão

Chegando a Milão, o Cardeal Borromeu, seguindo a orientação do Concílio, começou a reforma do clero. Que este necessitava urgentemente de reforma, é certo, pois “os padres eram ainda mais desregrados que o povo; sua ignorância era tão grande, que a maioria não sabia as fórmulas dos sacramentos; alguns não acreditavam mesmo que fossem obrigados a se confessar, porque confessavam os outros.

A bebedeira e o concubinato eram muito comuns entre eles, e acrescentavam a esses sacrilégios outros mais execráveis, pela administração dos sacramentos e celebração dos Santos Mistérios em um estado criminoso e escandaloso. […] Os mosteiros femininos estavam [também] abertos a toda dissolução”.(2)

Como o mal não era somente da cidade de Milão, mas de toda a arquidiocese, Carlos convocou um concílio provincial para promulgar os decretos do Concílio de Trento. A ele acorreram 11 bispos da região. Chegou a convocar seis concílios provinciais e 11 sínodos diocesanos com o mesmo fim.

Ele começou por sua própria casa a reforma que pregava, estabelecendo nela um regulamento para que todos vivessem com simplicidade e modéstia. Havia horário para as orações vocal e mental e para o exame de consciência, e ninguém podia ausentar-se desses atos sem permissão.

Os sacerdotes eram obrigados a confessar-se todas as semanas e a celebrar o Santo Sacrifício diariamente. Os não-sacerdotes deveriam confessar-se e comungar semanalmente e assistir à Missa diariamente. As refeições eram em comum, com a leitura de algum livro de vida espiritual.

Enfim, ordenou sua casa como se fosse um colégio da Companhia de Jesus, com exercícios, costumes e ofícios semelhantes aos que há nas casas da Companhia. Ele dava o exemplo, sendo o mais observante de todos.

Mas, como tinha mais responsabilidade, pois era o pastor, passou a levar uma vida de verdadeiro anacoreta: dormia poucas horas, sobre umas pranchas, flagelava-se impiedosamente e comia pouco, chegando no fim da vida a viver só de pão e água uma vez por dia. Sua delicada saúde ressentiu-se disso, e foi necessário apelar para o novo Papa, São Pio V, para que lhe ordenasse atenuar um tanto suas penitências.

Zelo apostólico na terrificante peste de 1576

As obras do santo foram incontáveis. “Estabeleceu uma ordem edificante na catedral de Milão; a devoção dos eclesiásticos, a magnificência dos ornamentos, o esplendor das cerimônias formavam um conjunto do mais tocante efeito.

Edificou muitos seminários, fundou um colégio de nobres; os edifícios eram soberbos e as regras traziam o cunho da sabedoria do santo fundador. Estabeleceu em Milão os padres teatinos. […]

Recebeu os padres da Companhia de Jesus. Fundou também uma congregação de sacerdotes sem votos (Padres Oblatos de Santo Ambrósio), dependentes só dele como seu chefe imediato, a fim de os ter à mão para os empregar consoante o pedissem as necessidades da diocese”.(3)

Entretanto, onde o zelo do santo mais se desdobrou foi por ocasião da violenta peste que assolou Milão em 1576. Todos que puderam fugiram, inclusive as autoridades civis.

Mas o Pastor não podia abandonar suas ovelhas feridas. Vendeu toda a prataria do palácio episcopal para socorrer os atingidos, deu-lhes todos os móveis de sua casa e até seu próprio leito. Ele os ia confessar e administrar-lhes os últimos sacramentos, visitava-os nos hospitais ou nos tugúrios, ordenou preces e procissões para pedir o fim da epidemia, e ofereceu-se como vítima pelos pecados de toda sua diocese.

As coisas que fez durante essa epidemia foram tão admiráveis, que encheram de assombro toda a corte romana e toda a Cristandade.

São Carlos Borromeu morreu aos 46 anos, em 4 de novembro de 1584, sendo canonizado em 1610.(4)

Sua festa celebra-se no dia 4 de novembro.
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Notas:
1. Pe. Pedro Ribadaneira, Flos Sanctorum, in Dr. Eduardo Ma. Vilarrasa, La Leyenda de Oro, L. González y Compañia, Barcelona, 1897, tomo 4º, p. 237.
2. Les Petits Bollandistes, Vies des Saints d’après le Père Giry, Paris, Bloud et Barral, 1882, tomo 13, pp. 180-181.
3. Pe. José Leite, S.J., Santos de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, 1987, tomo III, pp. 263 e ss.
4. Outras obras consultadas: Fr. Justo Perez de Urbel, Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo IV, pp. 264 e ss.; Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, Saragoça, 1949, tomo VI, p.41 e ss.