São Bernardo de Corleone; santo capuchino da Sicília

São Bernardo de Corleone
São Bernardo de Corleone; santo capuchino da Sicília

Dotado de temperamento violento, extraviou-se no caminho da turbulência; convertendo-se, com a mesma radicalidade seguiu o caminho da virtude de modo a alcançar a honra dos altares

Felipe, como se chamava no mundo esse santo capuchinho, nasceu em Corleone, na Sicília, no ano de 1605. Seu pai era humilde artesão; e a família, tão piedosa que sua casa era conhecida como a “casa dos santos”. Embora não pudessem dar aos filhos uma educação esmerada, transmitiram-lhes a riqueza da prática e ensinamentos de nossa santa Religião.

Entretanto Felipe tinha um caráter fogoso e independente, dificilmente controlando seu espírito rebelde, insensível a ameaças e castigos.

Com o pai aprendeu a profissão de sapateiro, mas, independente e ambicioso como era, logo começou a trabalhar por conta própria.

Na carreira das armas, encrenqueiro nato

crucifixo perante o qual rezava São Bernardo de Corleone
Após o falecimento do pai, que tinha certa autoridade sobre ele, Felipe resolveu fazer-se soldado. Com seu espírito belicoso, logo começou a meter-se em encrencas, chegando mesmo a tornar-se algumas vezes feroz. A um comissário de guerra que se dirigiu a ele de modo altivo, cortou a cabeça com um golpe de sabre.

Também decepou o braço de um fidalgo que levantara a mão para esbofeteá-lo. Matou três bandidos que o assaltaram e ameaçavam tirar-lhe a vida. Travou vários duelos com companheiros de armas que dele discordavam em qualquer ponto.

Em meio a esses desvarios, entretanto, Felipe tinha alguns bons movimentos. Certo dia, por exemplo, em que dois soldados roubaram de um compatriota seu o dinheiro do trigo que vendera a duras penas, ele os perseguiu e fê-los devolver o dinheiro.
crucifixo restaurado perante o qual rezava São Bernardo de Corleone
Outra vez, passando com um amigo por um bosque, ouviu gritos de socorro. Acorrendo pressuroso, viu uma jovem que se debatia entre quatro facínoras que queriam roubar-lhe a pureza. Não teve dúvidas: descarregou a pistola sobre o mais afoito deles e fez os outros fugirem espavoridos.

Quando sentia remorsos por sua má vida, fazia alguma boa obra para aliviar a consciência. Mas não ia além. Um dia em que ganhou uma soma considerável, pensou: “É justo que eu resgate alguns dos meus pecados”. E depositou a quantia no cofre de esmolas do hospital.

Seu rancor era proverbial e não perdoava nem mesmo os mortos. Assim, certa vez, quando se realizavam os funerais de um senhor com quem havia tido um atrito, entrou na igreja no momento da encomendação do corpo e, diante da viúva e dos parentes do falecido em lágrimas, começou a gargalhar, para dar mostras de sua alegria por aquela morte.

Isso lhe valeu uma boa sova. Mais ainda: os parentes do falecido entraram em processo criminal contra o brigão, que foi perseguido pela polícia, tendo que se refugiar numa igreja para gozar do direito de asilo.

Hora da Providência: a conversão de São Bernardo de Corleone
São Bernardo de Corleone
Chegara, finalmente, o momento para mudança de vida. Abandonado, perseguido pela justiça e pela própria consciência, Felipe foi aos poucos caindo em si. Não tendo outra coisa a fazer, começou a considerar a miserável vida que levava, e quão perto estava de sua eterna perdição. A graça, penetrando em sua alma, fez o resto. Com um coração contrito e humilhado, pediu a Deus perdão por seus pecados e prometeu retirar-se do mundo para terminar seus dias em atos de penitência e de piedade. Depois de uma contrita confissão geral, dirigiu-se ao convento capuchinho de Palermo.

O superior, conhecendo sua reputação, tratou-o com rigor e mandou-o falar com o Padre Provincial, então de visita ao convento da cidade. Este também conhecia a má fama de Felipe e não o quis receber. Finalmente, tocado pelas insistências do infeliz, deu-lhe esperanças de o admitir na Ordem se ele fizesse, à família enlutada, reparação cabal pelo escândalo dado.

Felipe, apesar do obscuro nascimento, era dessas almas que se entregam com ardor ao bem, após ter-se entregue ao mal. Tinha horror à mediocridade e não gostava de meios termos. Assim, por mais dolorosa que fosse a prova, enfrentou-a com altaneria e foi lançar-se aos pés das pessoas afetadas, pedindo-lhes humildemente o perdão.

Aqueles bons cristãos, vendo seu sincero arrependimento, o concederam de coração. Assim Felipe foi recebido no noviciado, mudando seu nome para Bernardo de Corleone, que o imortalizaria. Tinha então 27 anos de idade.

Radicalidade santa na prática da virtude
Objetos de São Bernardo de Corleone
Uma vez postas as mãos no arado, Frei Bernardo não olhou mais para trás, e caminhou a passos largos pela senda da humilhação e da penitência com o mesmo ardor com que se tinha entregue ao mal. De espírito independente antes, mostrou-se agora o mais obediente dos religiosos, procurando mesmo adivinhar o menor desejo dos superiores.

Como antes tinha sido ganancioso e desejoso dos bens terrenos, observou de tal maneira a santa pobreza, que muitos o comparavam ao Poverello de Assis. Nada possuía, a não ser um hábito gasto, um terço, uma cruz e uma disciplina para domar os impulsos desregrados de seu temperamento. Passou a dormir no chão, e apenas três horas por noite.

Disciplinava-se até o sangue e vivia a pão e água. As rudes provas a que o submetiam seus superiores, por mais humilhantes que fossem, apenas aumentavam-lhe o fervor. Sofreu inúmeros assaltos do demônio, os quais, em vez de abalar sua constância, o fortaleciam cada vez mais.

Frei Bernardo, embora simples e sem cultura, atingiu as mais sublimes alturas da oração e mereceu a honra de ser distinguido por graças especiais de Nosso Senhor e da Bem-aventurada Virgem Maria, chegando a conhecer os mais profundos mistérios de nossa Fé.

Em Palermo todos comentavam tão profunda mudança. Um alto funcionário do rei foi um dia ao convento para comprovar o que diziam do antigo malfeitor.

Quando o viu junto a si, tratou-o com altivez e desdém. Mas as respostas de Frei Bernardo foram tão sobrenaturais, tão humildes e desapegadas, que o fidalgo acabou abraçando-o efusivamente, pedindo-lhe desculpas por sua altivez e recomendando-se às suas orações.

No dia da profissão religiosa de Frei Bernardo, o povo de Corleone acorreu em multidão para edificar-se com esse exemplo tão cabal de conversão religiosa.

Caridade exímia para com os necessitados
Crucifixo e cordão de São Bernardo de Corleone
Foi com verdadeira alegria que recebeu a função de enfermeiro numa época em que havia no convento vários frades com moléstia contagiosa.

Frei Bernardo prestava-lhes os auxílios mais humilhantes, tratando a cada um como se fosse o próprio Cristo Jesus. Foi também ajudante de cozinha e, para exercer melhor a humildade, lavava as roupas dos sacerdotes do convento.

Entretanto, queria mais. Por isso, implorou aos superiores licença para socorrer os habitantes de Scarlato, muitos dos quais morriam por causa de uma epidemia que assolara a cidade. Assim, os habitantes da região passaram a ver nele um anjo tutelar, a quem recorriam em todas as vicissitudes. E vários fatos provaram a caridade e bom senso desse irmão leigo.

Preso e feito escravo por corsários muçulmanos
Certidão de nescimento de São Bernardo de Corleone
Deus queria que Bernardo, por novos sofrimentos, expiasse mais cabalmente as faltas da vida passada. Certo dia os religiosos o mandaram fazer uma viagem por mar, de Palermo a Messina. O barco em que viajava foi atacado por corsários muçulmanos, e ele levado prisioneiro para o Magreb, onde foi vendido como escravo.

Já essa situação de escravidão entre infiéis é de si penosa. Mas a dele foi agravada pelas importunações impuras de uma jovem escrava. Evidentemente ele se opôs com toda tenacidade àquele pecado. O que levou a mulher, irritada, a obter do patrão comum que, depois de o ter espancado severamente, pusesse Frei Bernardo a ferros em imundo cubículo.

Finalmente Deus quis recompensar seu servidor, e numa troca de prisioneiros ele voltou para a Itália.

Na exumação, corpo encontrado incorrupto
Urna contendo as rel�quias de São Bernardo de Corleone
Frei Bernardo de Corleone fazia-se notar por sua terna devoção à Paixão de Cristo, um profundo amor à Virgem Maria e à Santíssima Eucaristia — e, coisa rara para a época, tinha a dita de comungar diariamente. Praticando o primeiro Mandamento em grau heróico, amava a Deus sobre todas as coisas; e também ao próximo como a si mesmo. Por isso, assolando a peste a cidade de Castelnuovo, obteve dos superiores licença para acompanhar cinco religiosos capuchinhos que lá iam socorrer os atingidos.
detalhe da urna de São Bernardo de Corleone
Entregando-se de corpo e alma ao cuidado deles, sua natureza, antes tão robusta, mas gasta por penitências e privações voluntárias, sucumbiu. Atingido pela peste, Frei Bernardo faleceu no dia 12 de janeiro de 1667, na idade de 60 anos.

Seu funeral foi um acontecimento no reino da Sicília. Tal era a fama de sua santidade, que os grandes do reino quiseram ter a honra de carregar sobre os ombros seu caixão.

Muitos milagres ocorreram junto a seu túmulo, o que levou o arcebispo de Palermo a trabalhar pelo seu processo de canonização. Seu corpo foi exumado sete meses depois de sua morte e encontrado incorrupto. O Papa Clemente XIII beatificou-o em maio de 1768 e João Paulo II canonizou-o em 2001.

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Obras consultadas:
– Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral Libraires-Éditeurs, Paris, 1882, tomo I, pp. 334 e ss.
– Pe. Jean Croisset, Año Cristiano, Saturnino Calleja, Madrid, 1901, tomo I, pp. 166 e ss.
– Pe. José Leite, Santos de Cada Dia, Editorial A. O., Braga, 1993, tomo I, p. 57.

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São Carlos Borromeu, peça-mestra da Contra-Reforma católica e do Concílio de Trento

São Carlos Borromeu

São Carlos Borromeu, peça-mestra da Contra-Reforma católica e do Concílio de Trento

Peça-mestra da Contra-Reforma católica, grande propugnador do Concílio de Trento, realizou profunda reforma na arquidiocese de Milão. Foi um exemplo de verdadeiro Pastor, por seu zelo pelas almas e santidade de vida.

Carlos Borromeu nasceu no castelo de Arona, nas margens do Lago Maior, Ducado de Milão, a 2 de outubro de 1538, filho dos condes Gilberto e Margarida de Médici. A mãe era irmã do Cardeal João Ângelo, que seria elevado ao sólio pontifício com o nome de Pio IV.

Dizia-se do conde que levava mais a vida de monge que a de grande senhor, rezando diariamente o breviário e dedicando muitas horas à oração e às boas obras. A condessa emulava com ele em piedade.

Todos os biógrafos do futuro santo mencionam uma claridade extraordinária que envolveu o castelo de Arona quando nascia o menino, tomada como sinal a denotar a luz de santidade que o recém-nascido projetaria em toda a Cristandade.

Com pais tão virtuosos, era natural que também se desse logo cedo à piedade, sendo suas distrações montar altares e repetir cerimônias que via na igreja. Desabrochou logo cedo em Carlos a vocação sacerdotal, de modo que já aos oito anos recebeu a primeira tonsura; aos 12, seu tio, Júlio César Borromeu, resignou em seu nome a Abadia de São Graciano e São Felino.

Apesar da pouca idade, Carlos estava ciente de que as rendas da abadia eram patrimônio dos pobres. Pediu ao pai que as considerasse assim, e que fossem empregadas exclusivamente para esse fim.

Sua infância e juventude, como predestinado desde o berço, foi de grande inocência e perfeita integridade de costumes.

Mesmo quando foi terminar seus estudos na Universidade de Pavia, geralmente conhecida pela debochada vida de seus estudantes, Carlos soube permanecer ileso naquele ambiente, com o auxílio da Virgem Santíssima, por quem nutria filial e confiante devoção, e dos sacramentos da confissão e comunhão.

Cardeal Arcebispo aos 22 anos

Aos 21 anos Carlos doutorou-se nos Direitos civil e eclesiástico. Seus pais tinham já falecido. Sua carreira começaria cedo, pois no ano seguinte seu tio João Ângelo, eleito Papa, chamou-o para junto de si, fê-lo Cardeal Arcebispo de Milão e encarregou-o, apesar de seus 22 anos, da maior parte do governo da Igreja.

Isto é, fê-lo Secretário de Estado sem o título, além de Protonotário Apostólico da firma pontifícia e várias outras honrarias.

Não movido pela ambição, mas pela obediência, Carlos entregou-se ao trabalho. Diz um biógrafo: “Foi coisa admirável que, quanto possuía (causa comumente de ruína para os demais) foi-lhe de não pouca ajuda para a perfeição a que anelava, porque, ocupando tão grande posto e gozando de todos os bens que o ânimo mais altivo apenas atreveria prometer-se, achava tudo tão sem gosto e substância, que generosamente se deu a buscar um só e perfeito bem no qual achasse plena satisfação e cabal paz”.(1)

Carlos alojou-se, vestiu-se e mobiliou seus aposentos com magnificência, para sustentar sua qualidade de príncipe, de cardeal e de sobrinho do Papa.

Mas repentinamente ocorreu o falecimento do Conde Frederico, seu irmão mais velho, a quem o Papa chamara também a Roma e cumulara de honras. Todos esperavam que Carlos, não tendo ainda sido ordenado sacerdote e sendo agora o único herdeiro do nome da família, deixasse a carreira eclesiástica e se casasse para perpetuar o nome. Ele, pelo contrário, acelerou sua ordenação e consagração total a Deus de modo irrevogável.

Considerando então a sublime dignidade sacerdotal e a obrigação que tinha de ser o bom odor de Cristo, despojou-se das ricas vestes de seda, simplificou o serviço de sua casa e escolheu o piedoso Pe. João Batista Ribeira, jesuíta, para seu diretor espiritual. Vendeu também boa parte do seu patrimônio entregando o valor aos tios com a condição de darem parte da renda para a assistência dos seminários, escolas gratuitas, hospitais, conventos e pobres.

Grande propugnador do Concílio de Trento

Uma de suas iniciativas mais importantes foi trabalhar para a conclusão do Concílio de Trento, que fora interrompido. Não podendo dele participar, por causa de seus afazeres em Roma, empenhou-se na publicação de suas Atas e do Catecismo Romano, conforme dispunha o Concílio, e da reforma do breviário.

Trabalhou também para pôr em prática as resoluções dessa assembléia conciliar, principalmente no que diz respeito à reforma do Clero, contando para isso com a ajuda muito eficaz de São Felipe Néri. Cooperou também para a reforma da música sacra, decretada pelo Concílio, e pela adoção da polifonia proposta e executada pelo grande compositor Giovanni Pierluigi da Palestrina.

Como a missão de um bispo é guiar suas ovelhas, começou, para esse fim, a exercitar-se na pregação, com assombro de todos, pois não era costume na época que cardeais se entregassem a esse ministério. Suas palavras penetravam a fundo, obtendo grande fruto.

Conhecendo como era necessário aos bispos o conhecimento da doutrina católica para opor-se às falsas doutrinas dos hereges, começou o estudo de lógica e filosofia.

Mas sobretudo queria pôr em prática as normas do Concílio em sua Arquidiocese de Milão, como pastor de almas que era. Depois de muito insistir, obteve do Papa licença para dela tomar posse.

Autêntica reforma na diocese de Milão

Chegando a Milão, o Cardeal Borromeu, seguindo a orientação do Concílio, começou a reforma do clero. Que este necessitava urgentemente de reforma, é certo, pois “os padres eram ainda mais desregrados que o povo; sua ignorância era tão grande, que a maioria não sabia as fórmulas dos sacramentos; alguns não acreditavam mesmo que fossem obrigados a se confessar, porque confessavam os outros.

A bebedeira e o concubinato eram muito comuns entre eles, e acrescentavam a esses sacrilégios outros mais execráveis, pela administração dos sacramentos e celebração dos Santos Mistérios em um estado criminoso e escandaloso. […] Os mosteiros femininos estavam [também] abertos a toda dissolução”.(2)

Como o mal não era somente da cidade de Milão, mas de toda a arquidiocese, Carlos convocou um concílio provincial para promulgar os decretos do Concílio de Trento. A ele acorreram 11 bispos da região. Chegou a convocar seis concílios provinciais e 11 sínodos diocesanos com o mesmo fim.

Ele começou por sua própria casa a reforma que pregava, estabelecendo nela um regulamento para que todos vivessem com simplicidade e modéstia. Havia horário para as orações vocal e mental e para o exame de consciência, e ninguém podia ausentar-se desses atos sem permissão.

Os sacerdotes eram obrigados a confessar-se todas as semanas e a celebrar o Santo Sacrifício diariamente. Os não-sacerdotes deveriam confessar-se e comungar semanalmente e assistir à Missa diariamente. As refeições eram em comum, com a leitura de algum livro de vida espiritual.

Enfim, ordenou sua casa como se fosse um colégio da Companhia de Jesus, com exercícios, costumes e ofícios semelhantes aos que há nas casas da Companhia. Ele dava o exemplo, sendo o mais observante de todos.

Mas, como tinha mais responsabilidade, pois era o pastor, passou a levar uma vida de verdadeiro anacoreta: dormia poucas horas, sobre umas pranchas, flagelava-se impiedosamente e comia pouco, chegando no fim da vida a viver só de pão e água uma vez por dia. Sua delicada saúde ressentiu-se disso, e foi necessário apelar para o novo Papa, São Pio V, para que lhe ordenasse atenuar um tanto suas penitências.

Zelo apostólico na terrificante peste de 1576

As obras do santo foram incontáveis. “Estabeleceu uma ordem edificante na catedral de Milão; a devoção dos eclesiásticos, a magnificência dos ornamentos, o esplendor das cerimônias formavam um conjunto do mais tocante efeito.

Edificou muitos seminários, fundou um colégio de nobres; os edifícios eram soberbos e as regras traziam o cunho da sabedoria do santo fundador. Estabeleceu em Milão os padres teatinos. […]

Recebeu os padres da Companhia de Jesus. Fundou também uma congregação de sacerdotes sem votos (Padres Oblatos de Santo Ambrósio), dependentes só dele como seu chefe imediato, a fim de os ter à mão para os empregar consoante o pedissem as necessidades da diocese”.(3)

Entretanto, onde o zelo do santo mais se desdobrou foi por ocasião da violenta peste que assolou Milão em 1576. Todos que puderam fugiram, inclusive as autoridades civis.

Mas o Pastor não podia abandonar suas ovelhas feridas. Vendeu toda a prataria do palácio episcopal para socorrer os atingidos, deu-lhes todos os móveis de sua casa e até seu próprio leito. Ele os ia confessar e administrar-lhes os últimos sacramentos, visitava-os nos hospitais ou nos tugúrios, ordenou preces e procissões para pedir o fim da epidemia, e ofereceu-se como vítima pelos pecados de toda sua diocese.

As coisas que fez durante essa epidemia foram tão admiráveis, que encheram de assombro toda a corte romana e toda a Cristandade.

São Carlos Borromeu morreu aos 46 anos, em 4 de novembro de 1584, sendo canonizado em 1610.(4)

Sua festa celebra-se no dia 4 de novembro.
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Notas:
1. Pe. Pedro Ribadaneira, Flos Sanctorum, in Dr. Eduardo Ma. Vilarrasa, La Leyenda de Oro, L. González y Compañia, Barcelona, 1897, tomo 4º, p. 237.
2. Les Petits Bollandistes, Vies des Saints d’après le Père Giry, Paris, Bloud et Barral, 1882, tomo 13, pp. 180-181.
3. Pe. José Leite, S.J., Santos de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, 1987, tomo III, pp. 263 e ss.
4. Outras obras consultadas: Fr. Justo Perez de Urbel, Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo IV, pp. 264 e ss.; Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, Saragoça, 1949, tomo VI, p.41 e ss.

Nossa Senhora do Santo Cordão de Valenciennes, procissão milenar que remonta à Idade Média

Nossa Senhora do Santo Cordão de Valenciennes

A Santa Virgem bem pode mostrar-se a muitos de seus filhos, assim como deixar um sinal da sua presença. Por que não há aparições mais freqüentes da Virgem Santíssima nos dias de hoje?

Muitas vezes as pessoas se deixam levar pelas impressões e não aprofundam o estudo dos problemas, especialmente em assuntos religiosos. Isso se deu com um amigo meu. Ele chegou à conclusão de que, quando a Virgem aparece, é sempre a uma só pessoa, no máximo duas ou três. E de preferência a mulheres.

Motivo? Ele conhece apenas as aparições de Fátima (a três pastorinhos), Lourdes (a Santa Bernardette Soubirous) e a da Medalha Milagrosa (a Santa Catarina Labouré). Como nessas aparições os videntes são poucos, concluiu que sempre é assim. Como quatro dos cinco videntes são mulheres, daí lhe veio a conclusão correspondente.

Ora, se nos dedicarmos um pouco a esse estudo, veremos que essas conclusões não têm fundamento.

Dois estudiosos de aparições marianas, Michael Carroll e Yves Chiron, têm estudado o tema com base em documentos, e de forma científica. Ambos chegaram a conclusões semelhantes: a maioria das aparições tem como videntes pessoas do sexo masculino – 58%, sendo 42% para pessoas do sexo feminino.(1)

Quanto ao número de videntes, o assunto é muito mais complicado, pois há de tudo, literalmente. Há aparições em que duas pessoas estão presentes, mas só uma vê a Virgem. Em outras, como as de Fátima, um vê, ouve e fala (Lúcia); outro só vê e ouve (Jacinta); e outro apenas vê (Francisco).

Há numerosas aparições em que o beneficiário é uma só pessoa. Mas em outras elas são tantas, que ninguém as contou. Há até o caso de uma cidade inteira, o de Nossa Senhora de Valenciennes, que passo a narrar.

Uma peste e uma aparição na Idade Média

Com os progressos da medicina moderna, não temos idéia do pavor que despertava antigamente a palavra peste. O conhecimento do que são as bactérias causadoras da peste, como se propagam e como podem ser combatidas era praticamente nulo, e saber que a peste começou numa cidade era de apavorar.

No ano de 1008, na cidade de Valenciennes, norte da França, o pavor tinha razão de ser, pois em poucos dias morreram cerca de 8.000 pessoas!

Saber que a morte está por perto, sempre torna as pessoas mais religiosas. Além disso, na França, as pessoas dessa época eram real e sinceramente religiosas. Por isso nada estranha que elas se tenham voltado ao Céu para pedir que as protegesse da peste mortal.

Havia perto da cidade um eremita(2) de nome Bertelain, o qual também pediu à Virgem proteção para os habitantes. Nossa Senhora apareceu-lhe, e disse que faria um grande milagre visível para todos, na noite de 7 de setembro. O eremita percorreu a cidade, contando o fato, e na data marcada a população encheu as muralhas, torres e lugares mais elevados.

Nessa noite, efetivamente, no meio de uma grande luz bem visível para todos os habitantes, Nossa Senhora caminhou em redor da cidade, deixando cair no trajeto uma fita vermelha. Não se pense que foi coisa de um instante, ou que Nossa Senhora percorreu poucos metros.

Foram nada menos que 14 quilômetros, e a cidade inteira assistiu ao fato. A ponto de, ao contrário de outras aparições, nas quais as fontes históricas são poucas, todas as crônicas da cidade e da época falam do ocorrido, como sendo de notoriedade pública. Mais ainda, a fita se guardou num relicário na cidade durante muitos séculos, até que durante a Revolução Francesa foi queimada!

Pois os revolucionários não querem saber de provas: com elas ou sem elas, seu ódio é igual contra Deus, a Virgem e a verdadeira Igreja.

A procissão e o milagre do Santo Cordão

Nossa Senhora fez saber ao eremita o significado dessa fita: Ela queria que no dia seguinte, festa de sua Natividade, fosse feita uma procissão seguindo o percurso da fita, e com isso acabaria a peste. E se a procissão fosse repetida a cada ano, Ela protegeria a cidade de outras pestes semelhantes.

No dia seguinte, efetivamente, a procissão foi realizada por toda a população da cidade, e a peste cessou. Até o dia de hoje se faz a procissão, conduzindo uma imagem representando Nossa Senhora que deixa cair uma fita.

Faz parte da procissão uma confraria medieval chamada Raiados de Nossa Senhora do Santo Cordão. Essa denominação é devida ao fato de que seu traje (raiado) tem listas azuis e brancas.

Qual era a população da cidade na época? Pergunta nada fácil de responder, dado que não havia os censos regulares de hoje. Há algum tempo a população está estabilizada em torno de 40.000 habitantes. Mas é difícil calcular quantos eram no século XI.

Em todo caso, para levantar uma cifra, suponhamos que a peste tenha matado metade da população. Isso faria com que ainda houvesse 8.000 pessoas vivas para ver a Virgem. É muita gente!

2008 celebração milenar desta procissão

Essa Procissão é repetida todo ano na cidade de Valenciennes. Mais uma tradição católica que se perpetua nos tempos e cuja origem nem todos conhecem. Ela acontece no segundo domingo de setembro (em comemoração do 8 de setembro, festa da Natividade de Nossa Senhora).

Em 2008 cumprem-se mil anos desde o inicio desta tradição, e serão feitas festividades em comemoração do milenio com uma procissão-peregrinação com a Imagem de Nossa Senhora dos dias 5 a 22 de agosto desde Valenciennes até Lourdes!. Além do que haverá um ano completo de celebrações e festividades para rememorar esta tradição milenar.
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Notas:
1. Yves Chiron, Enquête sur les apparitions de la Vierge, Ed. Perrin-Mame, França, p. 37.
2. Pessoa que vive isolada, dedicada à oração e penitência.

Santa Margarida Rainha e Padroeira da Escócia

Santa Margarida Rainha

Por maravilhosos desígnios de Deus, tornou-se Rainha da Escócia. Requintou o esplendor das igrejas e da corte e soube admiravelmente aliar profunda piedade e muita firmeza.

Quando o rei da Inglaterra Edmundo II foi assassinado em 1017, Canuto II, o Grande, rei da Dinamarca, aproveitou para tentar concluir a conquista desse país, do qual já ocupava algumas províncias.

E enviou para a Suécia os dois filhos do rei falecido, Edmundo e Eduardo, com o intuito de que lá fossem mortos. Mas o rei sueco não quis manchar suas mãos com sangue inocente e mandou os dois órfãos para a Hungria, onde reinava o grande Santo Estevão.

Este os recebeu com todo afeto e se encarregou de dar-lhes uma educação segundo seu nascimento. Edmundo morreu sem sucessão, mas Eduardo, chamado “do Ultramar” ou “o Proscrito”, casou-se com Ágata, sobrinha do Imperador Santo Henrique e irmã de Gisela, esposa do rei Santo Estevão. Desse matrimônio nasceram três filhos, Edgard, Cristina e Margarida, esta em 1046.

Em 1041 subira ao trono da Inglaterra Santo Eduardo III, o Confessor. Logo que se firmou no trono, sabendo que seu parente vivia exilado na corte da Hungria, convidou-o a voltar com a família para a Inglaterra. Voltaram em 1054, sendo recebidos com provas de estima e afeição.

A princesa Margarida, então no início da adolescência, encantou a todos por sua piedade e modéstia. Era devotíssima da Santa Mãe de Deus e extremamente caridosa para com os pobres e necessitados.

Desígnios da Divina Providência

O pai da santa faleceu em 1057, e seu irmão Edgard tornou-se assim herdeiro direto do rei santo, que não tinha descendentes.

Sendo ele ainda menor de idade, e tendo nascido em terra estrangeira, colocaram no trono em seu lugar o Conde Haroldo. Guilherme, o Conquistador, atravessou o Canal da Mancha em 1066 e invadiu a Inglaterra. Na batalha de Hastings, matou Haroldo e se apoderou do trono inglês.

Para subtrair-se à tirania do conquistador, Edgard e Margarida, esta com 20 anos de idade, fugiram numa embarcação pretendendo chegar à Hungria, onde sabiam que seriam bem recebidos. Mas outro era o desígnio da Providência, e durante uma tempestade o barco foi atirado às costas da Escócia.

Nesse país foram bem recebidos pelo rei Malcolm III que, encantado com as qualidades de Margarida, propôs-lhe o matrimônio. Esta de há muito alimentava o desejo de, como sua irmã Cristina, fazer-se religiosa. Mas seu confessor fê-la ver como poderia auxiliar mais a religião subindo ao trono.

Assim realizou-se no ano de 1070 o casamento e a coroação de Margarida como rainha da Escócia. Aos 24 anos de idade, foi reputada a mais formosa princesa de seu século.

Uma rainha que aliava piedade e firmeza

Embora Malcolm fosse um pouco rude, tinha muito boa índole e disposição para a virtude. Sobretudo amava ternamente a rainha e tinha nela uma confiança sem limites.

Assim Margarida, por uma conduta cheia de respeito e condescendência, tornou-se senhora de seu coração; e serviu-se do ascendente que tinha sobre o rei para fazer florescer a religião e a justiça, procurar a felicidade dos súditos e inspirar a seu marido os sentimentos que o tornaram um dos mais virtuosos reis da Escócia.

Ela amenizou seu caráter, cultivou seu espírito, poliu suas maneiras e o inflamou de amor pela prática das máximas evangélicas. A rainha punha empenho nesse apostolado, pois não duvidava que a transformação e melhora dos costumes do povo dependiam em boa parte do exemplo do rei e da corte.

Assim, toda a Escócia progrediu, tornando o reinado de Malcolm um dos mais felizes e prósperos da Escócia.

Em suma, Margarida era uma rainha “piedosa e varonil ao mesmo tempo. Cavalgava gentilmente entre os magnatas, tecia e bordava entre as damas, rezava entre os monges, discutia entre os sábios, e entre os artistas planejava projetos de catedrais e de mosteiros”. (1)

Deus abençoou seu matrimônio com oito filhos, seis homens e duas mulheres, todos tendo seguido a senda da mãe. Dois deles –– uma filha, também Margarida, casada com o rei da Inglaterra, e um filho, Davi I, rei da Escócia –– foram elevados à honra dos altares.

Zelo pelo esplendor na casa de Deus e na corte

Um dos cuidados de Margarida foi estabelecer em todo o reino sacerdotes virtuosos e pregadores zelosos. Um sínodo foi convocado, e, as mais importantes dentre as reformas instituídas por ele foram a regulamentação do jejum da Quaresma e a observância da comunhão pascal, então quase desaparecidos, e a remoção de certos abusos concernentes ao casamento dentro dos graus de parentesco proibidos.

A rainha procurou ainda organizar a Igreja na Escócia. Em conseqüência, por seus conselhos, o reino foi dividido em dioceses, com demarcação bem determinada.

Foram criados cabidos nas catedrais, com o correspondente clero, e estabelecidas paróquias. Atraiu ordens religiosas, principalmente da França e da Inglaterra, com vistas a contribuir eficazmente para o incremento da vida litúrgica, pois desejava o esplendor na Casa de Deus. Para isso, construiu igrejas magníficas e reformou outras, dotando-as do que havia de melhor para o serviço divino.

Embora fosse pouco exigente para com sua própria pessoa, a rainha queria que a corte fosse esplêndida, a fim de valorizar a autoridade real; que a nobreza se vestisse muito bem, e que os reis se trajassem com pompa. Protegeu também as ciências e as artes e fundou diversos estabelecimentos de cultura.

“Ó Rainha Santa, socorrei-nos”

Salientou-se também pela caridade para com o próximo. Em nossa época, em que tanta demagogia e pouco de concreto realmente se faz pelos pobres, o exemplo de Margarida da Escócia é paradigmático.

Diariamente servia com suas próprias mãos a comida a nove meninas órfãs e a 24 anciãos. Durante o Advento e a Quaresma, atendia com o rei –– ambos de joelhos, por respeito a Nosso Senhor Jesus Cristo em seus membros padecentes –– a 300 pobres, servindo-lhes comida da mesa real.

Também diariamente a rainha saía pelas ruas, sendo rodeada então por inúmeros órfãos, viúvas e necessitados de toda espécie, que clamavam: “Rainha santa, socorrei-nos”, “Ó nossa mãe, assisti-nos”.

E ela a todos socorria, mesmo que para isso tivesse que pedir também aos membros da sua comitiva algo com o que assistir àquela gente. Regularmente visitava os hospitais para socorrer os doentes pobres. Os devedores insolventes encontravam nela seu auxílio.

Resgatava cativos, não só escoceses, mas também de outras nacionalidades. Enfim, não houve miséria física ou moral que ela não tivesse socorrido.

Profundamente humilde e austera

Santa Margarida, como todos os santos, tinha profunda humildade. Pedia freqüentemente a seu confessor que a advertisse de qualquer falta que a visse praticar. E reclamava com ele, que não encontrava o que advertir, alegando que não estava cumprindo sua missão.

Ela dormia pouco e rezava muito. Sua alimentação era tão parca, que se restringia apenas ao necessário. Começou a sentir o organismo minado, com terríveis dores de estômago. Privava-se de qualquer passatempo fútil e fugia de tudo quanto pudesse alimentar a sensualidade.

Possuía também um vivo espírito de compunção e tinha o dom das lágrimas. Guardava silêncio absoluto na igreja, por respeito à Presença Real, e bastava vê-la rezar para se conhecer como é que se pratica a oração.

Margarida observava duas Quaresmas, a do Natal e a da Páscoa, aumentando ainda mais suas austeridades.

Seu confessor e biógrafo diz que não é necessário constatar se ela praticou milagres, pois sua vida inteira foi um prodígio.

Última provação e santa morte

Quando a rainha estava acamada em sua última doença, teve que passar por uma prova duríssima. Tendo o rei Guilherme, o Ruivo, da Inglaterra, invadido a Northumberland escocesa, Malcolm organizou um exército para a reconquistar.

A rainha lhe pediu muito que não fosse pessoalmente a essa campanha, mas ele resolveu ir com seus filhos Eduardo e Edgard, julgando que o temor da rainha se devia à bondade do seu coração.
Quatro dias antes de sua morte, ela disse aos presentes: “Hoje talvez tenha acontecido uma grande infelicidade para a Escócia, como a que ela não via há muitos anos”.

Entrementes seu filho Edgard voltou da guerra, e ela lhe pediu notícias do pai e do irmão. Temendo que a verdade lhe fosse fatal, o rapaz respondeu que estavam bem. “Ah! Meu filho, sei muito bem o que se passa; por isso não tens que negar-me a verdade”, respondeu ela. Edgar relatou então a morte de seu pai e irmão numa emboscada durante a campanha.

Margarida, erguendo os olhos ao céu, exclamou: “Deus todo-poderoso, eu vos agradeço por me terdes enviado uma tão grande aflição nos derradeiros momentos de minha vida. Espero que, com vossa misericórdia, ela servirá para me purificar de meus pecados”. Enfim, sua alma se viu livre dos liames do corpo no dia 16 de novembro de 1093, aos 47 anos de idade. Tornou-se padroeira da Escócia.

Tempos depois, ao cair esse país na heresia protestante, os católicos recolheram secretamente as relíquias da rainha santa e de seu esposo, a quem também consideravam santo, e as enviaram ao rei Filipe II da Espanha, que lhes deu um refúgio seguro no mosteiro El Escorial, que acabava de construir. (2)
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Notas:
1. Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo II, p. 579.
2. Outras obras consultadas:
Pe. Jean Croisset, Año Cristiano, Madrid, Saturnino Calleja, 1901, tomo II, pp. 807/810.
Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, Paris, 1882, tomo VI, pp. 548/554.
Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, S. A., Saragoça, 1947, tomo III, pp. 413/423.
G. Roger Huddleston, The Catholic Encyclopedia, Volume IX, Copyright © 1910 by Robert Appleton Company, Online Edition, Copyright © 2003 by Kevin Knight.
Pe. Pedro Ribadaneira, S.J., Flos Sanctorum, in Dr. Eduardo Ma. Villarasa, La Leyenda de Oro, L. González y Compañia Editores, Barcelona, 1896, tomo II, pp. 412–414.

As perplexidades da Virgem Maria

Anunciação de Nossa Senhora, revelação do chamado, ser Mãe do Salvador

As perplexidades da Virgem Maria
(Fonte Catolicismo)
Modelo para todas as nossas atividades, a Santíssima Virgem nos ensina o modo de proceder nas encruzilhadas espirituais de nossa existência, como no momento de decidir pela vocação a seguir na vida

Certas perguntas são interessantes, exatamente pelo grau de desconhecimento teológico que revelam. Assim, certa pessoa me inquiria: “Nossa Senhora sempre sabia que ia ser mãe de Deus, não é?”.

Respondi que, se assim fosse, as palavras do anjo São Gabriel teriam sido diferentes. O anjo não teria explicado a Ela que conceberia o filho do Altíssimo, mas diria tão só que chegara a hora de concebê-Lo. Se Ela já sabia, por que explicar de novo que seria a Mãe do Filho de Deus?

Ante essa resposta, o interrogante formulou nova pergunta: então, o que Ela pensava que ia ser? Para responder tal questão, é necessário considerar certos pressupostos.

O problema da vocação

Quando Deus cria uma alma, Ele tem um plano pessoal para ela. Por isso mesmo, dota-a das qualidades de que necessitará para a realização desse plano. Por exemplo, uma pessoa chamada a ser médico, normalmente terá interesse pelas matérias relacionadas com o tema, terá boa memória para os assuntos que deve estudar etc. Mas não necessariamente terá voz de cantor de ópera nem dominará a arte da caligrafia.

Em geral, Deus chama as pessoas para o estado matrimonial. Mas, para certas almas privilegiadas, Ele tem um outro plano. É o que comumente se denomina “vocação”, que em latim quer dizer “chamado”. O exemplo mais comum é a vocação religiosa.

Por exemplo, pode ser que uma pessoa chamada para servir a Deus mais profundamente no estado religioso sinta uma atração especialíssima por todos os temas teológicos, doutrinários, pastorais, etc. As cerimônias litúrgicas a atraem, os mistérios teológicos a fascinam, a prática da caridade a encanta. E isto desde criança.

Discernir o chamado pode ser uma das maiores provações da vida espiritual

Muitas vezes lemos nas vidas de santos exemplos disso. Esse chamado é muito forte, e faz com que todos os outros interesses da vida sejam postos de lado. Outras vezes, os sinais da vocação se mostram por outros meios.

Lemos igualmente nas vidas de santos que muitos deles sabiam ou pressupunham ter uma alta vocação. Mas nem sempre Deus mostra exatamente no que ela consiste.

Pode ser esta uma das maiores provações da vida espiritual, pois a alma sente a atração por algo muito grande… que não sabe exatamente o que é! E esta situação, em alguns casos, pode prolongar-se por anos e anos. Lembro-me de um livro que continha estatísticas sobre o santos; um terço deles trocou de ordem religiosa ou mudou de situação canônica.

Sendo santos, isto não implica em preguiça de seguir o chamado de Deus ou em falta de desejo de encontrar seu caminho espiritual. Pelo contrário, Deus se faz buscar, e o faz para nos dar a oportunidade de ganhar méritos para a vida eterna.

Outros já encontram naturalmente sua vocação desde a mais tenra infância e a seguem até o fim da vida.

A vocação de Nossa Senhora

Sendo isenta do pecado original, a inteligência de Nossa Senhora não sofria as debilidades e confusões a que nós estamos sujeitos. Com lógica impecável, ela relacionava imediatamente os fatos, tirava as conclusões acertadas, previa as possibilidades.

É óbvio que Ela mesma notaria a abundância de qualidades com que Deus a tinha dotado, e que tais qualidades pressupunham uma vocação especialíssima. Mas qual era essa vocação?

Hoje, todos nós católicos sabemos pela Fé que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade se encarnou, pertenceu à Sagrada Família e trabalhou, pois quis nos servir de exemplo como Homem-Deus.

Naquela época, porém, as pessoas tinham conhecimento apenas de que surgiria um Redentor da humanidade, mas não conheciam os detalhes. Eram questões que os doutores debatiam. Nossa Senhora formularia para si também essas perguntas, mas devido à sua humildade, evitava sonhos de grandeza.

Todas as mulheres de Israel desejavam ter como filho ou descendente o Salvador que viria. Nada mais natural. E por isso a instituição do matrimônio era apreciada num grau muito elevado. Não obstante, mesmo no mundo antigo a idéia de dedicar a virgindade ao serviço de Deus tinha seu papel.

Segundo uma bela tradição, Nossa Senhora teria feito voto de virgindade desde a mais tenra idade. Sua inteligência, em nada debilitada, pois não fora atingida pelo pecado original, mostrar-lhe-ia que a virgindade era sumamente agradável a Deus, e graças especiais a levaram a dar tal passo.

A Tradição católica nos mostra Nossa Senhora, desde menina, servindo a Deus no Templo de Jerusalém. Mas tendo morrido seus santos pais, São Joaquim e Sant´Ana, Ela ficou sob a proteção do Sumo Sacerdote do Templo, como ocorria com as órfãs que ali serviam. Em determinado momento esse sacerdote decidiu que, tendo chegado a idade requerida, Nossa Senhora deveria casar-se.

Perplexidade da Virgem Santíssima

E aqui temos um exemplo típico de perplexidade na vida espiritual. Por um lado Nossa Senhora havia feito voto de virgindade a Deus, para agradar o Altíssimo.

Contudo, o Sacerdote que tinha sobre Ela a legítima autoridade, e que representava nesta Terra a voz de Deus, por meio da obediência ordenava-lhe algo contrário à virgindade, pois justamente o fim primordial do matrimônio é ter filhos e educá-los.

De um lado, uma certeza moral firmíssima: a virgindade; de outro, um fato concreto evidente: a obediência. Aparentemente eles se contrapunham.

E sabemos que Nossa Senhora aceitou o fato concreto, na certeza de que Deus, na sua infinita sabedoria, proveria. Era um fato claro e concreto: a voz da autoridade mandava que ela se casasse. Diante disso Ela se submeteu, confiando que Deus a preservaria.

A História revelou a sapiencialidade dessa decisão. Constatamos hoje que, para o Menino-Deus, embora nascendo de uma Virgem, era altamente conveniente que tivesse a ampará-lo uma família normal, cujos pais eram ligados pelo vínculo matrimonial. E para a própria reputação da Virgem Maria, naquele tempo isto era necessário, até que se revelasse ao mundo todo a maravilha de uma Virgem-Mãe.

Certamente houve na vida da Santíssima Virgem outros momentos em que ela não compreendeu as ordens de Deus, que pareceriam ter um sentido contrário àquilo que a graça colocava em sua alma. Como no episódio da perda do Menino Jesus no Templo. São os misteriosos caminhos da cruz, pelos quais passam pessoas dotadas de vocações especiais.

Pedir a Nossa Senhora ajuda nas perplexidades

Esta é, pois, uma oportunidade muito adequada para pedir a proteção da Santíssima Virgem para aqueles que, nestes momentos, passam por perplexidades análogas às d’Ela. Pois Nossa Senhora saberá justamente apreciar quanto apoio espiritual necessitam os que transitam por tais caminhos da graça.
(Por Valdis Grinsteins)

Festa de Corpus Christi, devoção que teve sua origem na Idade Média

Corporal ensanguentado de Bolsena que está na Baslica de Orvieto aonde pode ser visto e venerado pelos fieis

Festa de Corpus Christi, devoção que teve sua origem numa visão e milagre eucarístico na Idade Média

Na Idade Média, os homens tinham uma devoção enlevada pela pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Para libertar seu túmulo dos muçulmanos fizeram-se as cruzadas. A história da festa de Corpus Christi tem origem nessa devoção.

No final do século XIII surgiu em Lieja, Bélgica, um Movimento Eucarístico cujo centro foi a Abadia de Cornillon fundada em 1124 pelo Bispo Albero de Lieja. Este movimento deu origem a vários costumes eucarísticos, como por exemplo, a Exposição e Bênção do Santíssimo Sacramento, o uso dos sinos durante a elevação na Missa e a festa do Corpus Christi.

Visão sobre a devoção ao Santíssimo Sacramento

A abadessa Santa Juliana de Mont Cornillon ardia em desejos de que o Santíssimo Sacramento tivesse uma festa especial. Ela teve uma visão em que a Igreja aparecia como uma lua cheia com uma mancha negra, sinal da ausência da solenidade.

Santa Juliana comunicou a visão a vários prelados. Entre estes estava o futuro Papa Urbano IV.

O bispo Roberto de Lieja, em 1246, instituiu a celebração na diocese. O exemplo se estendeu especialmente por toda a atual Alemanha.

Milagre Eucarístico de Bolsena

Em 1263, Pedro de Praga, padre alemão, estava celebrando Missa na Igreja de Santa Cristina em Bolsena. Ele vinha entretendo sérias dúvidas sobre a realidade da presença de Cristo na Hóstia consagrada. Assim que ele completou as palavras da Consagração, o Sangue começou a escorrer da Hóstia Consagrada e correr por suas mãos abaixo, sobre o altar e sobre o linho (corporal). Vendo isto, ele interrompeu a Missa e viajou depressa a Orvieto onde o Papa Urbano IV residia.

Ao ouvir a história dele, o Papa o perdoou por ter dúvidas e enviou os representantes a Bolsena, para investigarem. Paroquianos e outras testemunhas confirmaram a história do padre; e a Hóstia e os linhos manchados estavam lá para todos verem.

Festa de Corpus Christi instituida pelo Papa Urbano IV

A investigação confirmou tudo aquilo que o padre havia relatado. Um ano depois, em agosto 1264, o Papa Urbano IV instituiu a Festa de Corpus Christi (Corpo de Cristo). Este corporal conserva-se até hoje na basílica de Orvieto – construída, aliás, para guardá-lo – onde pode ser visto e venerado pelos fiéis.

O Santo Padre movido pelo prodígio, e a pedido de vários bispos, fez com que se estendesse a festa do Corpus Christi a toda a Igreja por meio da bula “Transiturus” de 8 setembro do mesmo ano, fixando-a para a quinta-feira depois da oitava de Pentecostes e outorgando muitas indulgências a todos que assistirem a Santa Missa e o ofício.

O Papa Urbano IV encarregou um ofício e a liturgia das horas a São Boaventura e a Santo Tomás de Aquino; mas quando o Pontífice começou a ler em voz alta o ofício feito por Santo Tomás, São Boaventura foi rasgando o seu em pedaços.

A festa foi estendendo-se a toda a Igreja a partir do século XIV.

Quando os protestantes negaram a Presença Real de Nosso Senhor Jesus Cristo na Hóstia consagrada, o Concílio de Trento reforçou o costume e dissipou os contestatários, determinado que fosse celebrado este excelso e venerável sacramento com singular veneração e solenidade; e reverente e honorificamente seja levado em procissão pelas ruas e lugares públicos.

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Santo Isidoro de Sevilha, Doutor da Igreja e um dos pais da Idade Média

Santo Isidoro de Sevilha, luminar esplendoroso e incorruptvel

Santo Isidoro de Sevilha, Doutor da Igreja e um dos pais da Idade Média

Considerado o homem mais douto de seu tempo, Santo Isidoro foi um precursor tanto no campo eclesiástico quanto civil, podendo ser considerado um dos pais da Idade Média

Isidoro nasceu na cidade de Cartagena (Espanha) em 560, filho de Severiano e Teodora, ambos de alta nobreza e virtude. Foram seus irmãos São Leandro, que o precedeu na Sé de Sevilha, São Fulgêncio, bispo de Ecija, e Santa Florentina, da qual se diz que governou 40 conventos e mil monjas.

Embora sendo um dos autores mais lidos e plagiados de seu tempo, esse grande Doutor da Igreja não teve um biógrafo contemporâneo. Assim, sua vida, além dos traços gerais conservados pela tradição, tem que ser adivinhada em seus inúmeros escritos.

O certo é que Isidoro era muito inteligente, de memória fabulosa, e muito aplicado ao estudo e à leitura. Em 579 o irmão de Isidoro, Leandro, foi nomeado arcebispo de Sevilha. Um ano depois, com seu irmão Fulgêncio, Leandro foi desterrado por combater a heresia ariana.

Essa perseguição terminou com a morte do ímpio rei Leovigildo. Fanático ariano, ele não recuou em dar a morte a seu próprio filho, Santo Ermenegildo, por este ter-se convertido à Igreja Católica, Apostólica, Romana. Ascendeu ao trono o outro filho, Recaredo, que também abjurou a heresia ariana.

Retornando às suas dioceses seus dois irmãos, que haviam sido desterrados, Isidoro retirou-se para um mosteiro onde continuou seus estudos, chegando a dominar inteiramente o latim, o grego e o hebreu. Dedicou-se também a formar uma biblioteca, que dificilmente encontrará similar em toda a Idade Média.

Isidoro, além de sábio, era um organizador. Dando-se conta de que a legislação que regulava a vida monástica era falha e obscura em muitos pontos, escreveu para os vários mosteiros da Espanha uma Regla de los Monjes, onde tudo é claro, simples e metódico.

Na Sé arquiepiscopal de Sevilha

No ano 600, tendo falecido Leandro, Isidoro foi escolhido pelo rei e pelo povo para substituí-lo na Sé de Sevilha, então a principal de toda a Espanha.

Como bom pastor, Isidoro “prega ao povo, governa a diocese, reúne concílios – um em 619 e outro em 625 – promulga sábios decretos para promover a cultura e melhorar os costumes, defende a ortodoxia, converte um bispo oriental, que propagava no sul da Espanha o eutiquianismo, e confunde um prelado godo que se havia levantado à frente de uma reação ariana“.(1)

Mais ainda: “não poupou nada para exterminar o arianismo, que infestava ainda grande parte de sua diocese; para reformar os costumes dos fiéis, que se tinham corrompido sob o reino dos heréticos; para restabelecer em seu esplendor a disciplina eclesiástica e fazer com que os ofícios da Igreja fossem celebrados com a majestade e a devoção que pedem a grandeza do Deus que neles se honra e louva“.(2)

Isidoro era adornado de todas as virtudes: ”

Eram admiráveis sua humildade, sua caridade, sua benignidade, sua afabilidade e modéstia, sua paciência e mansidão.

Era piedosíssimo com os pobres, aprazível com os ricos, forte com os poderosos, devotíssimo na igreja, vigilante na reforma dos costumes, constante na disciplina eclesiástica, suavíssimo para todos, e para si rigoroso e severo”.(3)

Aglutinador de raças, educador da juventude, obra civilizadora

As antigas instituições e o ensino clássico do Império Romano estavam desaparecendo rapidamente. Na Espanha, uma nova civilização começava a transformar-se pela fusão dos elementos raciais que formavam sua população. Por quase dois séculos os godos a tinham controlado inteiramente, e suas maneiras bárbaras e desprezo pelo saber ameaçavam grandemente fazer retroceder o progresso da civilização.

Compreendendo que o bem-estar tanto espiritual quanto material da nação dependia da total assimilação dos elementos estrangeiros, Santo Isidoro pôs-se à obra de unir numa nação homogênea os vários povos que formavam o reino hispano-gótico. Para esse fim, utilizou-se de todos os recursos da religião e da educação. E seus esforços encontraram completo sucesso”.(4)

Para isso dedicou especial atenção à educação da juventude, fundando vários colégios e seminários. Esses colégios eram verdadeiras universidades, das quais saíram homens ilustres como São Bráulio, depois arcebispo de Saragoça, e Santo Ildefonso, os quais posteriormente fizeram o catálogo das inúmeras obras de Santo Isidoro.

Enfim, Santo Isidoro fundou também vários mosteiros, nos quais a regularidade monástica e o louvor a Deus se faziam de modo exímio. Um dos primeiros atos de seu episcopado foi o de pronunciar um anátema contra qualquer eclesiástico que molestasse os mosteiros.

‘Orígenes o Etimologías’, verdadeira enciclopédia ou dicionário universal

Para seus estudantes, escreveu “uma multidão de tratados, cuja extensão e profunda doutrina pasmam os maiores engenhos, porque abraçam todos os conhecimentos humanos daquela época, desde a mais sublime teologia até a agricultura e economia rural.

A principal de suas obras, ou seja, os vinte livros das ‘Orígenes o Etimologías’, é uma verdadeira enciclopédia ou dicionário universal, que faz descobrir o raro e agudo engenho de seu autor, como também sua extraordinária erudição e assombroso trabalho de investigação”.(5)

Ele foi, assim, o primeiro escritor cristão a reunir, para os católicos, uma suma dos conhecimentos universais. Muitos fragmentos do estudo clássico foram preservados nessa obra, que, sem ela, teriam desaparecido irremediavelmente. A fama desse trabalho deu novo ímpeto aos trabalhos enciclopédicos, produzindo abundantes frutos nos subseqüentes séculos da Idade Média.

Obras de teologia, gramática e ciências

No campo teológico, seus três livros Sentencias podem ser considerados a primeira Suma Teológica. Redigiu ainda para seus estudantes a obra De la diferencia de la propiedad de las palabras, como complemento para o estudo da gramática e retórica. E também as obras históricas La Cronica, La Historia de los Reyes de España e El Libro de los Varones eclesiáticos.

Mesmo as ciências naturais e o estudo do mundo físico deveriam fazer parte do currículo de seus colégios, pois afirmava que “não é coisa supersticiosa o conhecer o curso dos astros, os movimentos das ondas, a natureza do raio e do trovão, as causas das tempestades, dos terremotos, da chuva e da neve, das nuvens e do arco-íris“.(6)

De todas essas questões, trata em dois interessantes livros: De la naturaleza de las cosas – que dedicou ao rei Sisebuto, de quem foi amigo e conselheiro, e a quem incentivou em seus trabalhos literários – e Del Orden de las criaturas.

Alma dos Concílios de Toledo e de Sevilha

Além de combater a heresia ariana, que tinha penetrado profundamente na Espanha entre os visigodos, Santo Isidoro erradicou totalmente a dos “acéfalos”, que foi morta em seu nascedouro.

Como Leandro, ele teve a mais proeminente participação nos Concílios de Toledo e de Sevilha. Com toda justiça, pode-se dizer que foi em grande medida devido ao trabalho esclarecido desses dois ilustres irmãos que a legislação visigótica, que procedeu desses concílios, é vista por historiadores modernos como exercendo a mais importante influência nos começos do governo representativo“.(7)

Em dezembro de 633, se bem que avançado em anos, Santo Isidoro presidiu ao IV Concílio de Toledo, do qual participaram todos os bispos da Espanha. Ele foi a origem da maior parte de seus decretos, como por exemplo, o que determinava a todos os bispos que estabelecessem seminários em suas dioceses para a formação do clero, na linha dos colégios fundados por ele em Sevilha.

Desse modo Santo Isidoro foi a mola propulsora do movimento educativo que teve Sevilha como centro. Empenhou-se também para que fossem promulgados 74 cânones muito úteis para a explicação da fé e restabelecimento da disciplina da Igreja.

A pedido dos padres conciliares, trabalhou num novo missal e breviário para unificar os costumes e a liturgia em todo reino: “Seria um absurdo que tivéssemos distintos costumes os que professamos uma mesma fé e formamos parte de um mesmo império“, costumava dizer.

Também nesse IV Concílio, a pedido do rei Sisenando, deu forma à constituição política do reino, consolidando o regime de estreita união entre os poderes civil e religioso, e amoldando a legislação com base nos princípios do Direito Canônico. Foi o primeiro a assinar o decreto que mudava a Sé metropolitana de Cartagena para Toledo, a nova capital visigótica.

Estudos sobre Direito e Medicina

Nesse concílio ainda foi incentivado o estudo do grego e do hebreu, bem como das artes liberais. O Santo arcebispo suscitou também o interesse pelo direito e pela medicina, muito antes dos árabes, e despertou o interesse pela filosofia grega, introduzindo Aristóteles entre seus conterrâneos.

Isidoro faleceu em 636. Foi o último dos antigos filósofos cristãos, tendo sido cognominado “luminar esplendoroso e incorruptível” por São Bráulio de Saragoça.

Indubitavelmente foi ele o mais sábio homem de sua época, tendo exercido, como vimos, profunda influência em todo o sistema educativo da Idade Média.

Seu discípulo São Bráulio o via como um homem suscitado por Deus para salvar o povo espanhol da avalanche de barbárie que ameaçava a civilização na Espanha. Diz ele: ”

Teus livros nos levam à casa paterna, quando andamos errantes e extraviados pela cidade tenebrosa deste mundo.

Eles nos dizem quem somos, de onde viemos e onde nos encontramos. Eles nos falam das grandezas da pátria e nos dão a descrição dos tempos. Ensinam-nos o direito dos sacerdotes e das coisas santas, a disciplina pública e a doméstica, as causas, as relações e os gêneros das coisas, os nomes dos povos e a essência de quanto existe no Céu e na Terra”. (8 )

O VIII Concílio de Toledo, em 653, denominou-o “Doutor insigne de nosso século, novíssimo ornamento da Igreja católica, o último na ordem dos tempos, mas não na doutrina; o homem mais douto nestes críticos momentos de fim das idades“.(9)

A festa litúrgica de São Isidoro é no dia 4 de abril. Ele é padroeiro da Internet
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Notas:
1. Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo II, p. 41.
2. Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Paris, 1882, tomo IV, pp. 187-188.
3. Pe. Pedro de Ribadeneira, S.J., Flos Sanctorum, apud Dr. Eduardo Maria Vilarrasa, La Leyenda de Oro, L. González y Compañia – Editores, Barcelona, 1896, tomo II, p. 21.
4. John B. O’Connor, St. Isidore of Sevilla, The Catholic Encyclopedia, Volume VIII, Copyright © 1910 by Robert Appleton Company, Online Edition Copyright © 2003 by Kevin Knight.
5. Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, S.A., Saragoça, 1947, tomo II, p. 356.
6. Fr. Justo Perez de Urbel, op.cit. pp. 45-46.
7. John B. O’Connor, The Catholic Encyclopedia, online edition.
8. Fr. Justo Perez de Urbel, op.cit., p. 49.
9. Id., ib.

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Refeição, convívio e civilização

Les très riches heures du Duc de Berry. Banquete medieval. Note-se que ainda não se utilizavam talheres, um progresso que veio depois. Ao fundo, uma cena de batalha (está em curso a Guerra dos Cem Anos, entre a França e a Inglaterra)

Alimentar-se é um ato banal? – Para o homem moderno, habituado à banalidade, certamente. Mas, em si, é ação nobre e rica em significados.

Quis Deus colocar no alimento a prova de nossos primeiros pais. O “fruto proibido” que está na raiz do pecado original simbolizava, a seu modo, algo mais alto do que o simples fato de comer.

Alimentar-se é manter a vida. Mas o homem, criatura racional, não se alimenta como um bicho. A refeição é um ato familiar por excelência, e como ato social pede certo protocolo, certo cerimonial. Protocolo e cerimonial que impõem ao homem o exercício da virtude da temperança.

Em remotíssima era já vemos Abraão desdobrar-se em gentilezas para oferecer hospitalidade a três desconhecidos que passavam por sua tenda. Na realidade eram anjos que vinham anunciar-lhe a vocação de patriarca (Gen. 18, 1-8). E o melhor ato de cortesia era oferecer uma refeição aos viajantes.

Quando os judeus fugiram do Egito com Moisés, Deus mandou-lhes do Céu o maná para alimentá-los. E nas vésperas de sua Paixão e Morte, Jesus quis que sua última ceia fosse ocasião para instituir o mais santo e sublime dos sacramentos: a Eucaristia, que é o próprio Corpo e Sangue de Cristo, com sua alma e divindade. Tendo Ele se encarnado, desejou que os homens participassem da graça divina pela Comunhão eucarística. Haverá algo mais elevado?

Após a Ressurreição, apareceu Jesus aos discípulos de Emaús e comeu com eles. O mesmo fez com os Apóstolos surpresos: “Tendes aí alguma coisa que se coma?“. Deram-Lhe uma posta de peixe assado; e, tomando-a, comeu diante deles (Lc 24, 41).

Por isso é natural que os homens dêem graças a Deus pelo alimento que recebem e peçam a bênção divina. Ainda que não se considere o aspecto religioso, a refeição é de si um ato humano que se reveste de dignidade.

Será simples e discreto na vida diária, será mais formal e até requintado nas ocasiões solenes.

Talvez se possa até medir o grau de civilização de um povo segundo o modo de ele se alimentar. O índice maior ou menor de solenidade nas refeições poderia significar progresso ou decadência.

O Império Romano, admirável por tantos lados, serve de exemplo. É sabido que os romanos pagãos facilmente se entregavam a degradantes orgias. Propensos à gula, muitos, tendo comido em excesso, mandavam os escravos introduzirem penas em suas gargantas a fim de provocar o vômito, e assim poderem continuar no banquete. É repugnante.

Muitos povos bárbaros que se converteram ao Cristianismo, ao contrário, progrediram nesse aspecto de modo notório, conferindo maior solenidade às refeições importantes.

Desse modo se condensou, ao longo dos séculos, uma série de normas sobre o modo de servir, regras de cortesia ou etiqueta, protocolos que indicam a posição dos comensais segundo a hierarquia social, constituindo um mundo que facilita e eleva o convívio humano.

Assim, é sinal de civilização quando, mesmo nas refeições diárias mais simples, certas regras de protocolo são observadas: o pai ou chefe de família preside; a mãe o secunda; os filhos, os demais familiares ou os convidados se distribuem não necessariamente conforme as idades, mas conforme as conveniências e costumes.

Outrora a autoridade do chefe de família era tal que, mesmo quando se recebia o próprio rei, a cabeceira principal cabia ao dono da casa. Em seu lar, o pai de família é o rei… como o rei deve ser o pai de seu povo.

Entretanto, o cerimonial só tem autenticidade se praticado por pessoas que lhe dão valor. Ele pode alcançar a perfeição se tiver como lastro a caridade cristã, que manda amar o próximo como a si mesmo. Nesse caso, estabelece-se facilmente uma espécie de liturgia social na qual primam o respeito, a noção de honra, de cortesia.

As doçuras do bom trato não excluem os temperos amargos do sacrifício, pois onde há cerimonial há hierarquia, desigualdade, superiores e inferiores; uns mandam, outros obedecem, o que é natural para um espírito católico mas não é suportável para o orgulho humano quando não contido. Um sorriso pode custar mais que uma jóia.

Por isso o Divino Mestre, ao ver no Cenáculo que os Apóstolos discutiam entre si questões de precedência, quis dar-lhes uma lição de humildade lavando-lhes os pés: “O maior deverá fazer-se o menor, e o que manda será como um servidor dos outros“. Porque mais importante do que reinar neste mundo é alcançar o reino dos céus (cf. Lc 22, 24-30).

A felicidade do convívio humano encontra-se sobretudo no amor ao próximo por amor de Deus.

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Madonna del Miracolo; a felicidade inefável da despretensão e da pureza

Madonna do Miracolo

Madonna del Miracolo; a felicidade inefável da despretensão e da pureza
(Fonte: Revista Catolicismo)
O quadro da Madonna del Miracolo (Nossa Senhora do Milagre) aparece com a fronte encimada por uma coroa e por um resplendor em forma de círculo de 12 estrelas.

A fisionomia é discretamente sorridente, com o olhar voltado para quem estiver ajoelhado diante d’Ela. Muito afável, mas ao mesmo tempo muito régia. Pelo porte, dá impressão de uma pessoa alta, esguia sem ser magra, muito bem proporcionada e com algo de imponderável da consciência de sua própria dignidade.

Tem-se a impressão de uma rainha, muito menos pela coroa do que pelo todo d’Ela, pelo misto de grandeza e de misericórdia.

A pessoa que a contempla tende a ficar apaziguada, serenada, tranqüilizada, como quem tem acalmadas as suas más paixões em agitação. Como se Ela dissesse: “Meu filho, eu arranjo tudo, não se atormente, estou aqui ouvindo a você que precisa de tudo, mas eu posso tudo, e o meu desejo é de dar-lhe tudo. Portanto, não tenha dúvida, espere mais um pouco, mas atendê-lo-ei abundantemente”.

A pintura tem um certo ar de mistério, mas um mistério suave e diáfano. Seria como o mistério de um dia com um céu muito azul, em que se pergunta o que haverá para além do azul. Mas não é um mistério carregado, é um mistério que fica por detrás do azul e não por detrás das nuvens.

Notem a impressão de pureza que o quadro transmite. Ele comunica algo do prazer de ser puro, fazendo compreender que a felicidade não está na impureza, ao contrário do que muita gente pensa. É o contrário. Possuindo verdadeiramente a pureza, compreende-se a inefável felicidade que ela concede, perto da qual toda a pseudo felicidade da impureza é lixo, tormento e aflição.

Notem também a humildade. Ela revela uma atitude de rainha, mas fazendo abstração de toda superioridade sobre a pessoa que reza diante d’Ela. Trata a pessoa como se tivesse proporção com Ela; quando nenhum de nós tem essa proporção, nem mesmo os santos.

Entretanto, se aparecesse Nosso Senhor Jesus Cristo, Ela ajoelhar-se- ia para adorar Aquele que é infinitamente mais. Ela tem a felicidade inefável da despretensão e da pureza.

Diante de um mundo que o demônio vai arrastando para o mal, pelo prazer da impureza e do orgulho, a Madonna del Miracolo comunica-nos esse prazer da despretensão e da pureza.

(Plinio Corrêa de Oliveira)

São João Bosco, grande apóstolo da juventude

São João Bosco

Figura ímpar nos anais da santidade no século XIX, D. Bosco foi escritor, pregador e fundador de duas congregações religiosas, tendo sobretudo exercido admirável apostolado junto à juventude, numa época de grandes transformações. Dotado de discernimento dos espíritos, do dom da profecia e dos milagres, era admirado pelos personagens mais conhecidos da Europa no seu tempo.

Nascido em Murialdo, aldeia de Castelnuovo de Asti, no Piemonte, aos dois anos de idade faleceu-lhe o pai, Francisco Bosco. Mas felizmente tinha ele como mãe Margarida Occhiena, que lembra a mulher forte do Antigo Testamento.

Com sua piedade profunda, capacidade de trabalho e senso de organização, conseguiu manter a família, mesmo numa época tão difícil para a Europa como foi a do início do século XIX, dilacerada pelas cruentas guerras napoleônicas. João Bosco tinha um irmão, dois anos mais velho que ele, e um meio-irmão já entrando na adolescência.

De origem simples e religiosa; a mãe, exemplo de virtudes

A influência da mãe sobre o filho caçula foi altamente benéfica. “Parece que a paciência e a doce firmeza de Mamãe Margarida influenciaram São João Bosco, e que toda uma parte de sua amenidade, de seus métodos afáveis, deve ser atribuída aos modos de sua mãe, à sua maneira de ordenar e de prescrever, sem gritos nem tumulto. […]

Margarida terá sido uma dessas grandes educadoras natas, que impõem sua vontade à maneira de doce implacabilidade” […].

“João Bosco é um entusiasta da Virgem. Mamãe Margarida lhe revelou, pelo seu exemplo, a bondade, a ternura, a solicitude de Mamãe Maria. As duas mães se confundem em seu coração. Dom Bosco será um dos grandes campeões de Maria, seu edificador, seu encarregado de negócios”1.

A Providência falava a São João Bosco em sonhos

A Providência falava a ele, como a São José, em sonhos. Aos nove anos teve o primeiro sonho profético, no qual — sob a figura de um grupo de animais ferozes que, sob sua ação, vão se transformando em cordeiros e pastores — foi-lhe mostrada sua vocação de trabalhar com a juventude abandonada e fundar uma sociedade religiosa para dela cuidar.

Extremamente dotado, tanto intelectual quanto fisicamente, era um líder nato. Por isso, “se bem que pequeno de estatura, tinha força e coragem para meter medo em companheiros de minha idade; de tal forma que, quando havia brigas, disputas, discussões de qualquer gênero, era eu o árbitro dos contendores, e todos aceitavam de bom grado a sentença que eu desse”2, dirá ele em sua autobiografia.

Observador como era, aprendia os truques dos saltimbancos e prestidigitadores, de maneira a atrair seus companheiros para seus jogos e pregação, pois desde os sete anos foi um apóstolo entre eles.

São João Bosco tinha discernimento dos espíritos

Possuía um vivo discernimento dos espíritos, como ele mesmo afirmou: “Ainda muito pequeno, já estudava o caráter de meus companheiros. Olhava-os na face e ordinariamente descobria os propósitos que tinham no coração”3. Essa preciosa qualidade depois o ajudaria muito no apostolado com a juventude.

Órfão de pai, muito pobre para estudar para o sacerdócio como pretendia, e tendo sobretudo a incompreensão do meio-irmão, que o queria no campo, aos 12 anos a mãe lhe pôs sobre os ombros um bornal com alguns

pertences e o enviou a procurar trabalho nas fazendas vizinhas. Assim o adolescente perambulou pela região, servindo de garçom num café, de aprendiz de alfaiate, de sapateiro, de marceneiro, de ferreiro, preceptor, tudo com um empenho exímio, que o levará depois a ensinar esses ofícios a seus “birichini”4 nas escolas profissionais que fundará.

Vivendo de confiança na ajuda da Providência

A vida de São João Bosco é um milagre constante. É humanamente inexplicável como ele conseguiu, sem dinheiro algum, construir escolas, duas igrejas — uma sendo a célebre Basílica de Nossa Senhora Auxiliadora — prover de máquinas específicas suas escolas profissionais, nutrir e vestir mais de 500 rapazes numa época de carestia.

Para Pio XI, “em D. Bosco o sobrenatural havia chegado a ser natural; o extraordinário, ordinário; e a legenda áurea dos séculos passados, realidade presente”8.

Quando mais ele precisava e menos possibilidade tinha de obter dinheiro, aparecia algum doador anônimo para lhe dar a exata quantia necessitada. Mas ele empenhava-se também em promover rifas, leilões e tudo que pudesse render algum dinheiro para sua obra.

Educador ímpar, e sobretudo eficaz diretor de consciências, vários de seus meninos morreram em odor de santidade, sendo o mais conhecido deles São Domingos Sávio. Dom Bosco escreveu-lhe a biografia e a de vários outros.

Necessitando Dom Bosco de ajuda para seu apostolado incipiente, não teve dúvidas em ir pedi-la à sua mãe, já entrada na velhice e vivendo retirada junto ao outro filho e netos.

Essa mulher forte pegou alguma roupa e objetos de que poderia necessitar, e, sem olhar para trás, seguiu seu filho a pé, nos 30 quilômetros que separavam sua vila de Turim. Tornou-se ela a mãe de tantos “birichini”, aos quais alimentava, vestia e ainda dava sábios conselhos. Foi seguindo seu costume que seu filho instituiu as belas Boa Noite, ou palavras edificantes aos meninos antes de eles irem dormir.

Escrevendo a reis e imperadores

São João Bosco mantinha uma correspondência intensa, escrevendo para imperadores, reis, nobreza, dirigentes da nação, com uma liberdade que só os santos podem ter.

Assim, transmitiu ao Imperador da Áustria um recado memorável de Nosso Senhor para que ele se unisse às potências católicas, a fim de se opor ao poderio crescente da Prússia protestante.

São João Bosco manteve correspondência com a Princesa Isabel

Escreveu também à nossa Princesa Isabel, recomendando-lhe seus salesianos no Brasil. Ao rei do Piemonte, prestes a tomar medidas contra a Igreja, alertou-o da morte que reinaria no palácio, caso isso ocorresse. Como o soberano não voltou atrás, quatro membros da família real se sucederam no túmulo, em breve espaço de tempo.

São João Bosco morreu em Turim a 31 de janeiro de 1888, sendo canonizado por Pio XI em 1934. Foi nomeado padroeiro dos jovens e dos aprendizes. Seu dia é celebrado em 31 de janeiro.

Notas:
1.La Varende, Don Bosco, Le Livre de Poche Chrétien, Arthème Fayard, Paris, pp. 15 e 21.
2.San Juan Bosco, Memorias del Oratorio, Primera Fase, 1, p. 7, in “Biografía y Escritos”, B.A.C.
3.Id. Ib.
4.Plural de “birichino” — garoto, gaiato (Dizionario Portoghese-Italiano, Italiano-Portoghese, Carlo Parlagreco e Maria Cattarini, Antonio Vallardi Editore, Milano, 1960).
5.Pe. Rodolfo Fierro, SDB, Biografía y Escritos…, Introdução, p. 14.
6.Id. ib., p. 15.
7.Id. ib., p. 51.
8.Discurso de 3 de abril de 1932, apud BAC, op. cit., p. 11.

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