São Vicente, mártir: triunfante dos suplícios e de seus perseguidores


São Vicente, mártir: triunfante dos suplícios e de seus perseguidores

O mártir romano, por sua assombrosa fortaleza nos tormentos, fé inabalável e altaneira atitude ante o magistrado pagão é um modelo para os católicos de hoje, imersos num pântano de relativismo religioso e neopaganismo.

Por Paulo Corrêa de Brito Fº

Que rosto é este? Oh vergonha!’ — dizia enfurecido Daciano. O atormentado ri-se e provoca, mais forte que o verdugo”.

Assim o poeta latino cristão Prudêncio descreve, em seu famoso “Peristephanon” ou Hino V, a desafiante posição assumida pelo jovem arcediácono Vicente diante de seu torturador, o juiz Daciano, grande perseguidor dos cristãos na Espanha.

Esse belo hino constitui uma das fontes históricas mais antigas referentes ao glorioso mártir. Seu conteúdo coincide substancialmente com a Passio (Paixão), documento posterior às atas originais do processo de São Vicente, que não chegaram até nós. Apesar de a Passio ter incorporado algo de legendário, na essência ela merece fé.

Segundo tais fontes, Vicente descendia de ilustre estirpe, sendo seus pais fervorosos cristãos. Embora se acredite ter ele nascido na cidade de Huesca, berço natal de sua mãe, recebeu em Zaragoza formação eclesiástica.

Valério, Bispo dessa localidade, nomeou-o arcediácono, o primeiro dos sete diáconos que, segundo a praxe, davam assistência aos Prelados, na Igreja dos primeiros tempos.

Sendo Valério tartamudo, estando assim impossibilitado de pregar e instruir os fiéis, incumbiu Vicente de exercer essa função.

Durante a perseguição do imperador romano Diocleciano, provavelmente em 304, o juiz Daciano passou por Zaragoza, fazendo comparecer à sua presença o Bispo Valério e seu arcediácono.

Precisando, porém, viajar para Valência, ordenou o magistrado que ambos fossem conduzidos àquela cidade, a fim de serem interrogados. Para quebrantar seus ânimos, Daciano ordenou que lhes fornecessem pouca alimentação, devendo eles carregar durante a viagem pesadas correntes, as quais pendiam de seus pescoços e mãos.

Em Valência, o cruel juiz, vendo-os saudáveis, perguntou irado aos carcereiros: “Por que lhes destes mais abundante comida e bebida?” Na verdade, sustentados pelo Céu, os dois heróis da Fé, após a terrível viagem, estavam mais fortalecidos do que antes.

Destemor no suplício

Estando o Bispo Valério impossibilitado, devido ao defeito de sua fala, de responder as questões formuladas pelo tirânico magistrado, Vicente tomou a palavra. Como resultado desse primeiro interrogatório, foi o Bispo condenado ao desterro e o jovem arcediácono, submetido à tortura do cavalete, por meio da qual se desconjuntam os membros do corpo, após serem violentamente repuxados.

O que me dizes, Vicente? Onde já vês teu miserável corpo?” — indagou Daciano durante o suplício.

“Isto é o que justamente desejei; isto foi o objeto de meus mais ferventes desejos” — redargüiu-lhe o arcediácono. E acrescentou, desafiador: ”

Levanta-te pois, e com todo o teu espírito de malignidade entrega-te à orgia de tua crueldade. E já verás como eu, amparado pela força de Deus, posso mais em sustentar tormentos que tu em infligi-los.”

Começou então Daciano a soltar gritos e enfurecer-se contra os verdugos, moendo-os com pauladas.

E Vicente, irônico, dirigiu-se nessa ocasião ao endemoninhado juiz: ”

O que dizes, Daciano? Já me estou vingando de teus esbirros; tu mesmo me trazes a vingança ao castigá-los.”

O pagão reconhece a derrota

O arcediácono foi depois submetido ao suplício do fogo, em um leito incandescente — supremo grau de tortura, explica Prudêncio. Suportou tudo com semblante alegre e ânimo forte.
-“Ai, estamos vencidos!” — exclamou Daciano

O magistrado mandou então lançá-lo num tipo de calabouço estreito, conhecido entre os romanos como Tullianum, assim descrito por Prudêncio, que anos mais tarde o visitou: “Na zona mais baixa da prisão existe um lugar mais negro que as próprias trevas, encerrado e estrangulado pelas estreitas pedras de uma abóbada baixíssima. Ali se esconde a eterna noite, sem que jamais penetre um raio de luz”.

A coroa do martírio

Tanto a Passio quanto Prudêncio relatam esplendoroso milagre ocorrido naquele Tullianum: De repente iluminou-se o calabouço; o chão, coberto de pedras pontiagudas, converteu-se num tapete de flores, enquanto anjos deliciaram os ouvidos de Vicente com suave melodia.

Informado sobre o acontecimento, Daciano deu ordens para que se curassem as chagas do mártir, tendo em vista tentar obter sua apostasia; ou, caso contrário, submetê-lo a novos suplícios.

O carcereiro, já convertido ao Cristianismo, cumpriu com gáudio o ditame de Daciano e, ao mesmo tempo, permitiu a entrada dos cristãos no calabouço. Estes empenharam-se em curar as chagas do mártir, recolhendo, como relíquias panos embebidos em seu sangue.

Em meio a tais demonstrações de carinho e veneração, Vicente exalou seu último suspiro, o que causou redobrada fúria no magistrado perseguidor. Prudêncio, que nasceu cerca de 40 anos depois, sem duvida recolheu e registrou esse episódio com base na tradição oral.

Vitória post-mortem

“Se não pude vencê-lo vivo, ao menos castigá-lo-ei morto” — exclamou Daciano ao tomar conhecimento da morte de seu supliciado.

Ordenou então que o cadáver venerável do mártir fosse jogado em campo raso, a fim de ser devorado por feras e aves.

Deus, porém, mais uma vez velou pela honra e glória de seu fiel servo. Um corvo, pousado próximo aos despojos de Vicente, afugentou aves e até mesmo um lobo, que deles se aproximaram.

-“Penso que já nem morto poderei vencê-lo” — lamuriou-se o despótico juiz, quando se inteirou do novo e estupendo milagre. E determinou: “Ao menos, que os mares cubram sua vitória“.
Assim, encerrado o cadáver dentro de um saco, foi conduzido até alto mar e lançado às ondas.
Novamente a Providência Divina não permitiu que aquela preciosa relíquia se perdesse. O cadáver foi levado milagrosamente à praia, e as areias incumbiram-se de proporcionar um túmulo para sepultar o precioso corpo, encobrindo-o para resguardá-lo da cruel perseguição pagã.

Difusão universal do culto do mártir

Certa viúva cristã chamada Jônica recebeu em sonhos, algum tempo depois, uma comunicação sobre o local onde se encontravam os restos mortais de São Vicente. Acompanhada de muitos cristãos, dirigiu-se a virtuosa anciã para o lugar indicado no sonho, encontrando lá a valiosa relíquia, que foi conduzida a uma pequena igreja. Terminada a perseguição religiosa, e havendo crescido muito a devoção dos fiéis para com o admirável mártir, seu corpo foi transladado para um altar fora das muralhas de Valência.

São Gregório de Tours, em sua História dos Francos (III,29), narra que o rei da Gália merovíngia, Childeberto I, levou da Espanha para a França a túnica do Santo, em 558, depositando-a no mosteiro que mandou edificar em sua honra, posteriormente abadia de Saint-Germain-des-Près, em Paris.

Em Roma, a imagem do Santo foi pintada no século V ou VI, no cemitério de Ponciano.
A fama do mártir alcançou a África já nos séculos IV e V. O grande Doutor da Igreja Santo Agostinho, dedicou a ele quatro sermões, entre os anos 410 e 413. No quadro, encontram-se significativos tópicos de um deles (Sermão 276).

Ao que parece, o Papa São Leão Magno, no século V, também pronunciou um sermão na festa do Santo, em Roma. Nesta cidade, existiam na Idade Média três igrejas em sua honra.

Milão, Cremona e Bari, na Itália, e Regimont, na França, também ergueram templos para cultuar São Vicente.

Monteiros foram a ele dedicados em Mans, Metz e Conques, na França.
A festa do mártir comemora-se a 22 de janeiro.

Atualidade de São Vicente

No Brasil, recebeu o título de São Vicente a primeira vila fundada pelos portugueses, no litoral paulista, em 1532, tornando-se assim a mais antiga cidade do País. De mesmo nome foi também a capitania hereditária entregue a Martim Afonso de Souza, que engloba hoje mais ou menos os estados de São Paulo e litoral do Paraná.

Vicente tem sido também usado no Brasil para nome de pessoas como de família.
Qual a aplicação que o exemplo de um mártir romano — tendo vivido quase dezessete séculos atrás — poderá ter para o homem contemporâneo? Muito grande, desde que se estabeleçam alguns paralelos.

São Vicente enfrentou galhardamente uma perseguição cruenta durante o paganismo antigo, idólatra.

Os católicos, no mundo atual, devem enfrentar uma perseguição mais velada e sutil: a do neopaganismo relativista, que procura dessorar a fé num Deus absoluto, desagregar os imutáveis princípios da moral revelada, poluir e eliminar as tradições da civilização cristã. E aqueles que se opõem a essa onda anticatólica são com freqüência objeto de uma perseguição do ambiente que os cerca, a qual se assemelha ao martírio, embora seja incruenta.

Que o vitorioso mártir nos conceda sua fé robusta, sua fortaleza granítica, para triunfarmos, como ele, sobre todos os fatores modernos de adulteração da Esposa de Cristo, a Santa Igreja, e de sua doutrina.

Excertos do sermão 276 de Santo Agostinho, pronunciado na festa de São Vicente mártir, em 412.

“E como está escrito, com toda a verdade, que o forno do oleiro prova os vasos, e ao homem justo a tentação da tribulação (Eccl. 27,6), Vicente foi provado e cozido por aquele fogo, mas quem ardeu e crepitou foi Daciano. Se, com efeito, não ardia, por que gritava? O que eram as palavras do irado, senão fumo do abrasado? Assim, pois, a nosso mártir que em seu coração sentia refrigério, aplicavam as chamas por fora; mas ele (Daciano), incendiado pelos archotes do furor, ardia por dentro como um forno, e com ele se abrasava seu morador, o diabo. E, de fato, pelas furiosas palavras de Daciano, por seus olhos ferozes e feições ameaçadoras, pelos movimentos de todo o seu corpo, manifestava aquele seu habitante interno, e por esses sinais visíveis, como fendas do seu miserável vaso que arrebentava, e ele se enfurecia, se lhe via o diabo.

Que região, que província das que compreende o Império Romano ou até onde se tenha difundido o nome cristão, não se alegra hoje em celebrar a festa de Vicente? E quem ouviria hoje o nome de Daciano, se não tivesse lido o martírio de Vicente? Vivo, Vicente venceu Daciano; venceu-o também morto. Vivo, pisoteou os tormentos; morto, flutuou através dos mares. Mas Aquele que dirigiu entre as ondas o cadáver, entre as pontas de ferro concedeu ânimo invicto. A chama dos atormentados não dobrou seu coração; a água do mar não submergiu seu corpo”.

Iconografia e culto

Costuma aparecer nas pinturas com as vestes de arcediácono, acompanhado de um corvo ou carregando uma pedra molar, estes símbolos fazem referência a seu longo e penoso martírio.

É padroeiro de Portugal, da cidade italiana de Vicenza, dos vinhateiros e dos fabricantes de vinagre. Na cidade de Valencia, além de ser patrono, São Vicente Mártir é também padroeiro do Grêmio de Alfaiates e Modistas.

O escudo da cidade de Lisboa faz alusão ao relato, que conforme a tradição assinala que dois corvos permaneceram juntos dos restos de São Vicente (padroeiro da cidade) durante o translado a Lisboa desde o Cabo de São Vicente em 1173 por ordem do Rei Afonso Henriques.
Também é conhecido como São Vicente de Zaragoza, ou como São Vicente de Fora

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Fontes de referência
1. Actas de los Martires – B.A.C., Madrid, 1962, pp. 119/120, 995 a 1023.
2. Enciclopedia Cattolica, vol. XII, casa Editrice G. C. Sansoni, Florença, 1954, pp. 1436.
3. Vies des Saints illustrées pour tous les jours de l’année, vol. I, Maison de la Bonne Presse, Paris.
4.
http://www.catolicismo.com.br/materia/materia.cfm/idmat/6CA50EC9-3048-560B-1C05209EB807E97E/mes/Janeiro1996

5. Wikipedia

Uma resposta

  1. La Asociación VIA VICENTIUS VALENTIAE -VIA ROMANA , la cual presido , está recuperando un camino histórico que rememora los pasos del Patrón de Valencia , cuando en el siglo IV fue apresado en Zaragoza junto al Obispo Valero por los soldados romanos enviados por el Cónsul Daciano y trasladado a Valencia para sufrir martirio ante la negativa a renunciar a su fe. Así la difusión del conocimiento de este hecho provocó en los siglos siguientes una corriente de peregrinaciones desde toda Europa hasta Valencia para visitar los restos del mártir en San Vicente de la Roqueta , convirtiéndose este fenómeno en algo muy anterior a las peregrinaciones medievales a Santiago de Compostela.

    [Corría el año 304 d.C., y las prédicas y conversiones de San Vicente en Zaragoza junto al Obispo Valero alcanzaron gran número y gran éxito, llegando a los oídos del Cónsul Daciano, que, siguiendo el dictado de las autoridades romanas, ordenó que fueran apresados y traídos a Valencia para darles martirio y que abjuraran de su Fe. Se trataba de castigar ejemplarmente ante el pueblo valenciano una religión que empezaba a propagarse peligrosamente, lo suficiente como para hacer tambalear los pilares del Imperio Romano.

    Tras su negativa a renunciar a la Fe cristiana los dos religiosos fueron encarcelados, desterrando posteriormente al Obispo Valero a Francia, mientras su diácono, el joven San Vicente, fue elegido para sufrir martirio según lo que disponía la Lex Romana para los enemigos del Imperio. Uno tras otro, San Vicente resistió sin desfallecer tormentos como el ecúleo o potro, la catasta en forma de aspa (que separaba brazos y piernas mediante cuerdas), azotes, desgarros con garfios, y la parrilla con carbones incandescentes, tras lo cual fue encerrado en una celda sobre cristales y púas, con los miembros inmovilizados con cepos. Finalmente, a su muerte, el mártir fue arrojado a un descampado para ser devorado por las alimañas y evitar así que su cuerpo fuera venerado por el pueblo cristiano de Valencia, convirtiéndose en mártir, pero los cuervos ahuyentaron a las bestias y el cuerpo de San Vicente permaneció incorrupto. Daciano, encolerizado, ordenó que fuera arrojado y hundido en las profundidades del mar, atándolo a una rueda de molino, pero el cuerpo reapareció milagrosamente en las playas de Cullera (paraje de la Font Santa), donde la viuda Jónica lo encontró, dándole sepultura y erigiéndose una ermita en el lugar.

    Las circunstancias extraordinarias de la muerte de San Vicente fueron transmitidas oralmente entre el pueblo valenciano, y en los sermones de religiosos como San Agustín, extendiéndose por toda España y Europa y alcanzando gran fama, lo que provocó durante los siglos posteriores una corriente intermitente de peregrinaciones hasta la Basílica de La Roqueta, en Valencia, donde finalmente descansaban sus restos. ]

    Todos los detalles del Camino de San Vicente Mártir, que discurre desde Huesca, hasta Traiguera, donde enlaza con la antigua Via Augusta hasta llegar a Valencia en un camino de unos 750 km , pueden consultarse en la web que la asociación ha creado en Internet: http://www.caminodesanvicentemartir.es . En ella, junto a la información práctica como mapas y perfiles de la ruta, el peregrino puede acceder a consejos para caminantes, un foro especializado y abundantes datos sobre la biografía de San Vicente y el arte o la arquitectura dedicados al Santo, además de consultar la Carta Vicentina y el Libro de Peregrinos, e incluso obtener la Credencial Vicentina.

    El proyecto fue presentado en rueda de prensa ante los medios de comunicación y se animó a la sociedad valenciana a unirse a la iniciativa para rescatar la memoria del Patrón valenciano, e incidieron en la revitalización que el proyecto puede suponer para las poblaciones del interior.

    Asimismo, aprovechó la ocasión para denunciar el deterioro de la Basílica y el Convento de San Vicente de La Roqueta, actualmente en ruinas, siendo lo ideal que alguna parte del conjunto sirviera para descanso de los peregrinos que llegaran finalmente a Valencia. Así distintos medios de comunicación se hicieron eco de dicha presentación en sus páginas.

    En este sentido , el siguiente paso de la asociación ha sido concretar con los Ayuntamientos por donde discurre el camino, y con las autoridades públicas, para sondear su disposición a prestar servicios gratuitos a los peregrinos que emprendan la ruta, y disponer los recursos necesarios para señalizar el camino.

    Salvador Raga

    Presidente

    VIA VICENTIUS VALENTIAE-VIA ROMANA

    http://www.caminodesanvicentemartir.es

    http://viavicentius.blogspot.com

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